"Tenho 10% de mim dentro do STF", disse Jair Bolsonaro, referindo-se sem nenhum pejo a Kassio Nunes Marques, seu indicado ao Supremo Tribunal Federal, em 2020, na vaga de Celso de Mello, aposentado por idade. O abismo entre Celso de Mello e seu substituto já sugeria o quanto pioramos como país, mas a prática é ainda mais deprimente. Kassio Nunes Marques escuta uma frase dessas, que o humilha diante da nação e de seus supostos pares, e não se ofende. Apenas murcha as orelhas.
"Não é que eu mande no voto do Kassio", continuou Bolsonaro. Mas quem disse que ele manda no voto do Kassio? E precisa? Kassio Nunes Marques foi escalado justamente por sua natural presciência do que convém a Bolsonaro em qualquer votação. Ao afirmar que tem 10% de si no STF —seu preposto é um dos dez titulares atualmente no cargo—, Bolsonaro está dizendo que, por baixo daquela toga, não importa a miragem que ela projete, encontra-se ele próprio, Bolsonaro.
E não se furta a descrever o que Nunes Marques faz para favorecê-lo. Sabendo-se voto perdedor numa questão do interesse de seu amo, o ministro usa o recurso de "pedir vista" do processo —um tempo para lê-lo e se inteirar melhor, durante o qual o caso fica parado. Faz parte. Mas quando Kassio Bolsonaro, digo Nunes Marques, pede vista é para "empatar o jogo", exclamou um eufórico Bolsonaro. Empatar no sentido de "dificultar, atrapalhar, embaraçar, impedir, prejudicar, tolher", segundo o "Houaiss".
Por mais terrível que pareça, é um alívio saber que, por enquanto, só haja 10% de Bolsonaro no STF. Já é suficiente para comprometer a higidez e a higiene do ambiente, mas ainda não se compara à infestação maciça de si mesmo que ele está impondo à PGR, ao STJ, à CGU e à Polícia Federal.
Os órgãos de controle legal são o sistema imunológico do Estado. É este que, para não ser expelido como um tumor, Bolsonaro precisa destruir. Está conseguindo.
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