Há alguns domingos falei de como, até os anos 70, o mundo comportava uma fabulosa babel de gêneros, ritmos e estilos musicais, cantados na língua de cada país, e de como essa barafunda era partilhada por todos os países. Não só isso —os sucessos de um país ganhavam versões na língua dos outros. No Brasil, podia-se escolher entre ouvir os sucessos americanos, franceses, italianos ou o que fosse em suas línguas originais ou em português, recriados pelos nossos letristas.
“As Time Goes By”, de Herman Hupfeld, tornou-se “O Amor É Sempre Amor” na versão de Jair Amorim: “Enquanto houver luar/ Enquanto a luz brilhar/ E o sol tiver calor/ Enquanto o sonho houver/ O amor é sempre o amor...”. E “Limelight”, de Charles Chaplin, melhorou muito como “Luzes da Ribalta”, com a letra de João de Barro e Antonio Almeida: “Para que chorar o que passou?/ Lamentar perdidas ilusões/ Se o ideal que sempre nos acalentou/ Renascerá em outros corações...”.
Haroldo Barbosa, superletrista, verteu centenas de canções americanas, entre as quais ”All of Me“, de Seymour Simons e Gerald Marks, que João Gilberto gravou: “Disse alguém/ Que há bem no coração/ Um salão/ Onde o amor descansa...”. E Nilo Sergio converteu “I’m Looking Over a Four-Leaf Clover”, de Harry Woods e Mort Dixon, no “Trevo de Quatro Folhas” que João Gilberto também gravou: “Vivo esperando/ E procurando/ Um trevo no meu jardim...”.
Mas o que pode superar o “Edmundo” em que Aloysio de Oliveira transformou “In the Mood”, de Joe Garland e Andy Razaf, e consagrou Elza Soares? “Edmundo nunca sabe bem o que faz/ Ele é um sujeito distraído demais/ Dizem que uma noite quando em casa chegou/ Antes de ir pra cama ele fez tal confusão/ Que o chinelo no travesseiro botou/ E se ajeitando foi dormir no chão...”.
Os americanos não sabiam o que se fazia com suas letras no Brasil. E não estavam nem aí. Desde que recebessem os royalties.
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