Você sentiu falta do Partido Republicano que existia antes do aparecimento de Donald Trump? Você tem saudade dos dias de John Boehner lutando contra os rebeldes do Tea Party sobre o teto da dívida e o abismo fiscal ou do "plano" de Ted Cruz para cortar fundos do Obamacare? Anseia pela volta dos anos em que o teste crucial de pureza conservadora era o compromisso com um plano implausível de redução do déficit? Dos bons e velhos tempos em que incompetentes e aspirantes a lobistas lutavam contra ideólogos libertários e aspirantes a personalidades da TV paga pela chance de promover uma agenda de leve austeridade e cortes de impostos favoráveis às empresas?
Boas notícias, então: esses tempos voltaram. O fracasso da "onda vermelha" republicana nas midterms de 2022 e a subsequente diminuição de Trump tiveram um efeito de onda reversa. É como assistir ao recuo de um muro de água, expondo o antigo litoral, a topografia política que a água encobriu.
A embaraçosa luta de Kevin McCarthy para reivindicar a presidência e a semana de caos na Câmara dos Representantes não pertencem propriamente à era Trump. É a volta do velho mundo, do antigo regime republicano com todas as suas disfunções, impasses e inutilidades.
Não que a inundação não tenha modificado a paisagem. Alguns deputados republicanos que atormentaram McCarthy são refugos do Tea Party, mas outros são figuras mais trumpianas, criaturas de celebridade direitista e marcas próprias.
Os pretensos populistas republicanos no Senado —figuras como J.D. Vance, Josh Hawley e Tom Cotton— não são libertários no estilo de Cruz em 2013, o que pode mudar o papel do Senado nas batalhas internas republicanas. O partido nacional e seus ambiciosos governadores agora estão mais propensos a brigar por questões culturais do que fiscais. E o próprio Trump dificilmente está acabado.
Mas nas negociações sobre a presidência ficou claro que certos padrões pré-Trump ainda estão resilientes. De um lado, agora personificado por McCarthy e seus aliados, temos o establishment do Partido Republicano tentando administrar a Câmara de maneira centralizada, sem qualquer visão ou agenda específica. De outro, nas facções que resistiram a ele, conservadores com muitas reclamações legítimas sobre o processo, somadas a uma visão política que são principalmente gestos performáticos e apocalipcismo fiscal.
O resultado provável, como na era do Tea Party, é um Congresso incapaz de governar, exceto por meio de uma política ousada de última hora e um conservadorismo que se manifesta em demandas por cortes orçamentários radicais e implausíveis, e nada mais.
Parte do sucesso original de Trump residiu na maneira como ele livrou o Partido Republicano desse impasse, recusando-se decididamente a fazer campanha pelo catecismo do "verdadeiro conservador" e ressaltando questões que eram mais importantes para os conservadores menos ideológicos e os eleitores indecisos.
Ele fez tudo isso num estilo demagógico, mas suas promessas —de recuperar os empregos perdidos para a China e construir novas rodovias, proteger a Previdência Social e acabar com a imigração ilegal— ajudaram o partido a escapar de sua armadilha da era Barack Obama, quando parecia obcecado no Congresso por cortes de gastos impopulares, mas raramente era capaz de negociar para alcançá-los.
Para o Partido Republicano na Câmara hoje, uma escapada equivalente é imaginável. Sua maioria poderia ser usada para aprovar uma série de projetos com mensagens sobre questões em que os conservadores têm (ou podem ter) vantagem com o público: contra o crime, por segurança nas fronteiras, que destaca questões de recrutamento e prontidão militar, reformas de financiamento acadêmico e incentivos que visam enfraquecer o cartel das faculdades de elite e influenciar guerras culturais educacionais, alguma versão das políticas contra o direito ao aborto.
Em cada caso, o objetivo seria posicionar o partido em um terreno no qual as preocupações de ativistas e eleitores independentes possam se sobrepor e preparar o Partido Republicano para o sucesso em 2024.
Em questões fiscais, esse tipo de estratégia reconheceria a impossibilidade de um grande acordo do tipo que iludiu Boehner e Obama ou da imposição de mudanças fiscais significativas em um Senado e uma Casa Branca controlados pelos democratas.
Em vez disso, proporia orçamentos que buscassem principalmente cortes em lugares importantes para os grupos de interesse democratas e governaria com acordos que incluíssem alguma falsidade e truques inevitáveis, mas basicamente apenas preservariam o status quo.
Esses acordos são o que vão acontecer de qualquer maneira: não haverá uma mudança radical em nossa trajetória fiscal entre hoje e 2024. A questão é se, ao longo do caminho para esse resultado inevitável, os deputados republicanos se apresentarão como um partido governista plausível ou se suas divisões internas produzirão vazio e caos, permitindo que os democratas e a Casa Branca de Biden os retratem como o partido da sabotagem, os inimigos da recuperação econômica.
Teremos mais clareza quando virmos o preço da vitória na corrida para a presidência ou quando as negociações do teto da dívida chegarem aqui. Mas provavelmente já sabemos a resposta.
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