Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Rodrigo Zeidan

Planos de saúde zumbis

Acordo de Lira pode funcionar só se as empresas tiverem equilíbrio financeiro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Planos de saúde precisam ser regulados, e nenhum país faz isso de forma perfeita. Há várias razões, mas a principal é que esses planos têm necessidades de capital de giro negativas, o que torna a batalha entre reguladores e empresas quase um conflito existencial.

A expressão necessidade de capital de giro negativa parece estranha, mas reflete uma realidade de vários negócios nos quais empresas são pagas primeiro e somente incorrem custos depois (elas apresentam ciclo financeiro negativo).

Pronto atendimento no Hospital da Luz em Santo Amaro, zona sul de São Paulo - Rubens Cavallari - 7.mai.2024/Folhapress

No caso de planos de saúde (ou academias de ginástica), os clientes primeiro pagam um prêmio para depois usar o serviço; no caso da saúde, às vezes anos depois. Até aí nada demais. Contudo, em empresas assim, quanto maior o crescimento, maior a entrada de caixa. Se a organização não for muito bem gerida, não vai ter dinheiro para pagar seus custos lá na frente.

No fundo, um plano de saúde funciona, do ponto de vista financeiro, quase como um fundo de pensão: seu objetivo é ter recursos suficientes para pagar os sinistros dos seus clientes quando for a vez de eles usarem.

A grande diferença é que planos de pensão normalmente têm um padrão de desembolso muito mais previsível que planos de saúde. Vamos imaginar que não houvesse regulação nenhuma desses planos. Nesse caso, eu poderia abrir uma empresa, anunciando planos premium, depois de acordos com hospitais nos quais me comprometeria a pagar preços cheios, cobrando ninharia dos clientes.

Obviamente, conseguiria vender milhões de planos. Distribuiria a maior parte dessas receitas como dividendo e, quando as pessoas começassem a usar os serviços, declararia falência. Isso não acontece com empresas de aviação ou academias de ginástica porque elas precisam fazer significativos investimentos fíxos para atrair clientes.

Ainda assim, todos esses negócios sofrem em dobro quando ocorre uma crise econômica e as empresas param de crescer. É muito tentador transformar um negócio com ciclo financeiro negativo em esquema de pirâmide, no qual se prometem mundos e fundos para novos entrantes para cobrir o rombo do negócio.

Essas empresas não são, de forma alguma, iguais a esses esquemas, desde que prontas para cenários de retração das vendas.

Em empresas normais, queda na demanda, especialmente se prevista, normalmente libera fluxo de caixa, pois as vendas anteriores começam a entrar no caixa enquanto a empresa precisa pagar menos por insumos, pois menos venda significa menos produção.

No caso de empresas de plano de saúde, é o contrário. Queda de vendas de novos planos significa menor receita e menor fluxo de caixa, já que é preciso pagar os sinistros da base de clientes e não dá para contar com a receita de novos consumidores. É por isso que empresas com problemas começam a cancelar planos de consumidores ou negar atendimento, mesmo que estejam em dia; elas já receberam desses consumidores e não querem arcar com os custos que eles geraram ao longo do tempo.

Fraudes, custos, judicialização e outras questões são parte do dia a dia das empresas. Fraudes aleijam, mas é o fluxo de caixa que mata. Precisamos de melhor regulação, mas isso é outra questão. O acordo de Lira com os planos pode funcionar só se as empresas tiverem equilíbrio financeiro. Se não tiverem, viveremos com planos zumbis, e o problema volta logo; vai sair de cancelamentos unilaterais para negação de serviços sem razão. É isso que queremos?

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.