Quando, na semana passada, o queniano Eliud Kipchoge percorreu, pela primeira vez na história, a distância da maratona em menos de duas horas, os jornais disseram que a proeza era uma demonstração da superação dos limites do corpo humano.
Infelizmente, é falso. Experimentei com o meu corpo, que também é humano, e ele me fez notar, com bastante rispidez, que não estava na disposição de se superar. Fazer uma maratona naquele tempo significa estar 120 minutos a correr a 21 km por hora. Fui tentar.
Regulei a velocidade da esteira para 21 e não aguentei dois minutos. Fiquei muito comovido com o feito do sr. Kipchoge, mas chorei com mais vontade quando tentei fazer igual. É absurdo.
O que Eliud Kipchoge fez foi um sprint de duas horas. Concebo que alguém estugue o passo na corrida para apanhar um ônibus que já partiu, mas se ao fim de duas horas o ônibus ainda não parou para nos deixar entrar, há que reconhecer a derrota.
Dificilmente haverá situação neste mundo em que a capacidade de fazer um sprint de duas horas dê jeito.
Dois minutos depois de ter concluído a sua extraordinária façanha, Kipchoge, ofegando menos do que eu após apertar os cadarços do sapato, disse que esperava ter conseguido inspirar as pessoas.
A mim, depois de me inspirar a contrair a rotura muscular resultante do que descrevi acima, inspirou-me a vontade de me ir sentar.
Decidi então, em homenagem a Kipchoge, ao menos ler sobre a maratona. Segundo a lenda, um homem chamado Fidípides correu desde a cidade grega de Maratona até Atenas para dar aos seus compatriotas a notícia de que a batalha contra os persas tinha sido ganha. Ou seja, não se tratou de atletismo, e sim de jornalismo.
Depois de dar a notícia, Fidípides morreu. Esta parte interessa-me. Alguém, a certa altura da história da humanidade, pensou: e se tentássemos fazer aquela modalidade de corrida na sequência da qual o seu primeiro praticante morreu?
E várias outras pessoas disseram: parece-me uma excelente ideia. E ao fim de algum tempo a nossa espécie já percorre a distância em menos de duas horas —sem risco de morte, exceto para os idiotas que vão tentar reproduzir o feito numa esteira de academia.
O ser humano é admirável. Os seres humanos, nem tanto.
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