Durante os Jogos Olímpicos de Tóquio, usei o espaço extra que me foi dado semanalmente na Folha para destacar os feitos das mulheres. Aliás, isso não aconteceu só por aqui. Já há algum tempo, sempre que tenho a oportunidade, gosto de trazer dados e informações sobre o contexto de preconceito, proibições e lutas que as mulheres precisaram travar para simplesmente conquistar o direito de jogar, disputar, ocupar, afinal, os lugares do esporte, que antes eram exclusivamente masculinos.
Faço isso porque eu mesma, até cinco, seis anos atrás, não fazia ideia. Apaixonada por esporte desde cedo, eu fui moldada com as informações que recebia –sempre com protagonismo masculino. Não tem problema assistir aos homens desafiando limites, conquistando medalhas, virando ídolos de um país inteiro. O problema existe quando a gente cresce vendo SÓ homens fazendo isso. A mensagem não é literal, mas é clara: este é um lugar para homens.
Por sorte, ao contrário da maioria das minhas amigas, eu sempre me mantive perto do esporte. Praticando, trabalhando, vivendo as emoções dele diariamente, seja como torcedora, jornalista ou apenas uma fã de qualquer jogo que esteja passando na TV, de qualquer modalidade. Mas, curiosamente (ou nem tanto), os jogos que passam na TV são sempre deles, homens. A “estranha no ninho” sempre fui eu. E não era por acaso.
Algumas descobertas ao longo dos últimos anos me fizeram ligar os pontos. Talvez a mais chocante delas tenha sido uma pesquisa que o extinto Ministério do Esporte divulgou no fim de 2015, um diagnóstico da prática esportiva no país. Os dados ali diziam que 83% das mulheres acima de 15 anos não praticavam nenhum esporte. Parecia inacreditável, mas aí eu pensava no universo das minhas próprias amigas e me dava conta: pouquíssimas delas praticam esporte.
Isso é muito grave. Porque o esporte não é só importante para a saúde. Ele traz autoestima, determinação, disciplina e inúmeros benefícios que só quem vive essa experiência consegue mensurá-la. E 83% das mulheres brasileiras acima de 15 anos simplesmente estão sendo privadas, ainda que indiretamente, de tudo isso.
De novo, não é por acaso. Se eu te pedisse para citar cinco mulheres que ganharam medalhas em Jogos Olímpicos (não vale citar as de agora, em 2021, porque acabou de acontecer), você conseguiria? Se te perguntar quem tem mais gols com a seleção brasileira de futebol, quem tem mais jogos com a camisa amarela, inevitavelmente os primeiros nomes que vão surgir na sua cabeça são de homens. Pelé? Cafu? E, no caso, são duas mulheres: Marta e Formiga.
Isso tem a ver com a narrativa. A gente só tem referências masculinas no esporte porque foram só essas as histórias que nos contaram. Eu não sabia até pouco tempo atrás que a primeira medalha feminina do Brasil nos Jogos Olímpicos havia sido conquistada somente em 1996, com Jacqueline e Sandra no vôlei de praia. E que a primeira medalha em modalidade individual veio só em 2008. Também não fazia ideia de que alguns esportes haviam sido proibidos para mulheres –tanto pela lei de alguns países quanto pelo próprio programa olímpico, que só passou a oferecer as mesmas modalidades para homens e mulheres em 2012, com a inclusão do boxe feminino.
E é muito fácil explicar por que eu (e provavelmente você) não sabia de nada disso: só 4% da cobertura esportiva é dedicada aos esportes femininos.
É preciso mudar a narrativa para mudar a mensagem. Registrando e valorizando os feitos das mulheres, a gente mostra para as meninas: este também é o seu lugar. Os Jogos de Tóquio foram um ótimo exemplo disso.
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