Neymar jogou com a camisa 10 da seleção brasileira pela primeira vez em 2 de junho de 2013. Faz exatos dez anos. Naquele dia, saiu da reinauguração do novo Maracanã às 18 horas, após Brasil 2 x 2 Inglaterra, entrou num avião fretado e, com autorização da CBF, voou para ser apresentado pelo Barcelona.
No dia seguinte, 56 mil pessoas assistiram à sua primeira saudação à torcida do Camp Nou: "Bona tarda a totthom!". Em bom catalão, boa tarde a todos. Sua camiseta azul e grená não tinha número às costas, porque o 10 passara a ser seu na seleção, mas tinha dono no Barça. Prudente, Neymar avisou: "Vim para ajudar Messi a seguir sendo o melhor do mundo".
Apesar de sua declaração sensata, o Brasil apostava que Neymar voava para a Europa para ser eleito o melhor jogador do planeta. Houve muitos enganos naquele junho de 2013, das manifestações que, demoramos a perceber, levaram ao mais longo inverno do Brasil pós-ditadura militar.
Até Neymar polarizou a si próprio nestes dez anos, a ponto de ter um quadro com seu rosto, metade pintado de Batman, metade de Coringa, em sua sala de estar. O documentário "Neymar: o Caos Perfeito", da Netflix, mostra a obra em sua casa. O craque explica ser super-herói para sua família e vilão para quem não o conhece de perto.
No dia em que o mundo voltar à razão e à compreensão de que existe o cinza em meio aos tons extremos, vai-se olhar para Neymar como o melhor jogador brasileiro de sua geração. Não é pouca coisa, embora menos do que se tenha imaginado —e do que ele próprio imaginou.
Neymar foi campeão da Liga dos Campeões, o único jogador a fazer gols em todas as partidas, entre o início das quartas de final e a finalíssima. Ganhou o Campeonato Espanhol duas vezes, três Copas do Rey, um Mundial de Clubes, cinco campeonatos franceses, três Copas da França, duas Copas da Liga.
O noticiário diz que Guardiola lhe telefonou e pode convidá-lo a jogar pelo Manchester City, o que pode lhe dar chance de ganhar outra Champions. Sua carreira não terminou, ainda pode produzir novas histórias, boas surpresas.
Mas o décimo aniversário de sua viagem a Barcelona indica que não conseguiu tudo o que imaginou —ou que imaginávamos.
Seu maior legado será deixar para outras gerações a informação sobre o que lhe faltou. Vinicius Junior tem Cristiano Ronaldo como referência. Sua capacidade de se dedicar aos treinos, de saber que seu corpo é seu equipamento de trabalho, compreender que há momentos para as festas, que poderão acontecer em maior número depois da carreira, se ganhar tudo a que se propõe no curto espaço dos próximos dez anos.
Não é só Vinicius. É sua geração.
Depois de polarizar a si próprio, meio Batman meio Coringa, Neymar será provavelmente o meio-termo entre a farra de Ronaldinho Gaúcho e o profissionalismo de Vinicius Junior. Quem trabalha na formação de jogadores tem a impressão de estar a caminho uma fornada de craques brasileiros de muito talento e mais serenidade. Mais inspirados por Messi do que por Ronaldinho.
Neymar sempre quis o bônus de ser o melhor sem o ônus de trabalhar para isso.
Não que não tenha trabalhado, mas fez isso menos do que se exige do protagonista.
E assim se passaram dez anos.
E, nos próximos dez, imagina-se ter uma geração de jogadores tão talentosos, mas mais capazes de tentar juntar o talento de Messi ao compromisso de Cristiano Ronaldo.
Pode ser pedir demais.
Ou pode ser que o Brasil tenha o melhor jogador do mundo no dia em que tiver a seleção campeã mundial.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.