Rogério Ceni não consegue se desvencilhar de ídolo para se tornar professor. São dois tipos de liderança antagônicos. No vestiário, como atleta, a ascendência sobre os colegas se dava pelo aspecto técnico. A dificuldade como treinador passa pela necessidade de compreender que seus liderados jamais trabalharão com o mesmo nível de compromisso e qualidade que o mito impunha a si mesmo.
As pessoas são diferentes.
Os clubes também.
Rogério deu certo no Fortaleza, o único clube de onde saiu sem ser demitido. E pagou a multa prevista no contrato, rigorosamente cumprido.
No São Paulo, o goleiro se confundiu todas as vezes em que atravessou o portão do Centro de Treinamento da Barra Funda.
Mas o fracasso de 18 meses sem título não é culpa exclusiva de Rogério.
O São Paulo mudou muito desde o tempo em que Juvenal Juvêncio ensinava os segredos de quem entra num vestiário para mandar, não para calçar chuteiras: "Se você prometeu Coca-Cola, não dê Guaraná", dizia o velho presidente.
Juvenal foi o último dos cardeais são-paulinos, não da mesma estirpe de Paulo Machado de Carvalho, Laudo Natel, Manoel Raimundo Paes de Almeida, nem mesmo de Antônio Leme Nunes Galvão.
Todos lideraram de forma democrática e com alternância de poder, diferentemente de Palmeiras e Corinthians, de longos mandatos de Delfino Facchina e Mustafá Contursi, no Parque Antarctica, de Wadih Helou, Vicente Matheus e Alberto Dualib, no Tatuapé.
Apesar de democrático, o São Paulo foi um clube de dono. Laudo Natel, nas décadas de 60 e 70, Antônio Leme Nunes Galvão, nos anos 70 e 90, Juvenal Juvêncio, de 2001 até sua morte.
A mudança do estatuto, para permitir o terceiro mandato de Juvenal, transformou aquela estrutura. A partir de 2010, o Morumbi passou a ter alas, como se fosse uma escola de samba. Até 11 partidos políticos, sem nenhum líder de fato.
Julio Casares alterou outra vez o regulamento interno para poder se reeleger em dezembro deste ano. Tem o conselho deliberativo na mão, para seguir na presidência. O excesso de alas, no entanto, o obriga a fazer concessões.
É uma espécie de presidencialismo de cooptação, como em Brasília.
Há quem diga que a única saída para o São Paulo é transformar-se em SAF. Não é verdade. Virando ou não sociedade anônima, o que falta é um líder que comande a reconstrução.
Há 15 anos, o cenário político do Palmeiras era semelhante. Parecia impossível a virada que houve no Parque Antarctica. A liderança de Paulo Nobre e sua capacidade para refinanciar a dívida ajudaram a inverter o eixo do futebol. O Palmeiras virou uma potência e o São Paulo passou a ocupar o bloco intermediário.
As trocas de técnico diminuíram, mas são ainda um sintoma das pressões internas que produzem decisões para agradar correligionários e torcedores. Diferente de quando Telê Santana se mantinha no cargo cinco anos e Muricy outros três.
O que nasceu primeiro: o ovo ou a galinha? Um time muda de técnico porque perde ou perde porque troca muito de treinador?
Um clube gigante passa muitos anos sem vencer porque perde sua identidade. No caso do São Paulo, por deixar de resolver seus problemas intramuros, com os conselhos de seus velhos cardeais.
Dorival Júnior será o terceiro técnico da gestão Julio Casares, o 14º desde 2015, ano da crise que afastou o ex-presidente Carlos Miguel Aidar.
A vocação do São Paulo sempre foi a estabilidade. Enquanto ela não retornar ao Morumbi, as vitórias também não irão reaparecer.
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