Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Descrição de chapéu The New York Times

Como a China perdeu a guerra da Covid

País asiático segue impondo restrições a atividades cotidianas, enquanto outras nações voltam à vida normal

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The New York Times

Você se lembra de quando a Covid ia estabelecer a China como a potência dominante do mundo? Ainda em meados de 2021, minha caixa de entrada estava cheia de afirmações de que o aparente sucesso da China em conter o coronavírus mostrava a superioridade do sistema chinês sobre as sociedades ocidentais que, como disse um comentarista, "não tinham a capacidade de organizar rapidamente todos os cidadãos em torno de um único objetivo".

Neste momento, porém, a China está se debatendo, enquanto outras nações mais ou menos voltam à vida normal. Ela ainda segue sua política de Covid zero, impondo duras restrições às atividades cotidianas sempre que surgem novos casos. Isso está criando imensas dificuldades pessoais e limitando a economia; as cidades sob bloqueio representam quase 60% do PIB da China

No início de novembro, muitos trabalhadores fugiram da gigantesca fábrica da Foxconn, que produz iPhones, temendo não apenas ficar presos, mas também passar fome. E nos últimos dias muitos chineses, em cidades de todo o país, enfrentaram dura repressão por se manifestarem contra as políticas do governo.

Manifestantes marcham em protesto contra medidas da política de Covid zero, em Pequim, capital da China - Thomas Peter - 27.nov.2022/Reuters

Não sou um especialista em China e não tenho ideia de onde isso vai dar. Tanto quanto posso dizer, os verdadeiros especialistas em China também não sabem. Mas acho que vale a pena perguntar que lições podemos tirar da jornada chinesa, de aspirante a modelo a um desastre.

Fundamentalmente, a lição não é que não devemos adotar medidas de saúde pública diante de uma pandemia. Às vezes essas medidas são necessárias. Mas os governos precisam ser capazes de mudar as políticas diante das mudanças de circunstâncias e das novas evidências.

E o que estamos vendo na China é o problema dos governos autocráticos que não admitem erros e não aceitam evidências das quais não gostam.

No primeiro ano da pandemia, restrições fortes, até mesmo draconianas, faziam sentido. Nunca foi realista imaginar que as ordens de usar máscaras e até os bloqueios pudessem impedir a propagação do coronavírus. O que eles podiam fazer, entretanto, era retardar a propagação.

No princípio, o objetivo nos Estados Unidos e em muitos outros países foi "achatar a curva", evitando um pico de casos que sobrecarregaria o sistema de saúde. Então, quando ficou claro que vacinas eficazes estariam disponíveis, o objetivo era ou deveria ser retardar as infecções até que a ampla vacinação fornecesse proteção.

Você pode ver essa estratégia em ação em lugares como Nova Zelândia e Taiwan, que inicialmente impuseram regras rígidas que mantiveram casos e mortes em níveis muito baixos, depois relaxaram essas regras quando suas populações foram amplamente vacinadas. Mesmo com as vacinas, a abertura levou a um grande aumento de casos e mortes –mas não tão grave quanto teria sido se esses lugares tivessem suspendido as restrições antes, de modo que as mortes per capita foram muito menores do que nos Estados Unidos.

Os líderes chineses, no entanto, parecem ter acreditado que os bloqueios poderiam eliminar permanentemente o coronavírus, e têm agido como se ainda acreditassem nisso, mesmo diante de evidências contrárias esmagadoras.

Ao mesmo tempo, a China falhou totalmente em desenvolver um plano B. Muitos chineses mais velhos –o grupo mais vulnerável– ainda não estão totalmente vacinados. A China também se recusou a aceitar vacinas de fabricação estrangeira sem condições irracionais que foram rejeitadas pelos fabricantes, embora as vacinas nacionais, que não usam tecnologia de mRNA, sejam menos eficazes do que as injeções que o resto do mundo está tomando.

Tudo isso deixa o regime de Xi Jinping numa armadilha que ele mesmo criou. A política de Covid zero é obviamente insustentável, mas encerrá-la significaria admitir tacitamente o erro, o que nunca é fácil para os autocratas. Além disso, afrouxar as regras significaria um grande aumento de casos e mortes.

Não apenas muitos chineses mais vulneráveis permaneceram não vacinados ou receberam vacinas inferiores, como pelo fato de o coronavírus ter sido suprimido poucos chineses têm imunidade natural e o país também tem poucos leitos de terapia intensiva, deixando-o sem capacidade para lidar com um surto de Covid.

É um pesadelo, e ninguém sabe como termina. Mas o que o resto do mundo pode aprender com a China?

Primeiro, a autocracia não é, de fato, superior à democracia. Os autocratas podem agir com rapidez e decisão, mas também podem cometer grandes erros porque ninguém pode lhes dizer quando estão errados. Em um nível fundamental, há uma clara semelhança entre a recusa de Xi a recuar do Covid zero e o desastre de Vladimir Putin na Ucrânia.

Em segundo lugar, estamos vendo por que é importante que os líderes estejam abertos a evidências e dispostos a mudar de rumo quando for provado que estão errados.

Ironicamente, nos Estados Unidos, os políticos cujo dogmatismo mais se assemelha ao dos líderes chineses são os republicanos de direita. A China rejeitou as vacinas estrangeiras de mRNA, apesar das claras evidências de sua superioridade; muitos líderes republicanos rejeitaram as vacinas em geral, mesmo diante de uma enorme divisão partidária nas taxas de mortalidade ligadas às taxas de vacinação diferenciais. Isso contrasta com os democratas, que em geral seguiram algo como a abordagem da Nova Zelândia, embora com muito menos eficácia –restrições iniciais, relaxadas à medida que a vacinação aumentou.

Em suma, o que podemos aprender com a China é mais amplo do que o fracasso de políticas específicas; é que devemos tomar cuidado com pretensos autocratas que insistem que estão sempre certos, apesar das evidências.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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