Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello
Descrição de chapéu Coreia do Norte

Será que Trump vai rir por último?

Presidente pode passar por vexame de ter contado com um Nobel ou provar ser artista da negociação

Com terno azul marinho, camisa branca e gravata listrada azul marinho e branca, Trump aparece com os olhos fechados enquanto fala em um microfone à sua frente; ao fundo, desfocada, aparece um pedaço de uma tela
O presidente dos EUA, Donald Trump, fala em evento sobre crescimento econômico e fim de regulações na Casa Branca - Evan Vucci/Associated Press

Para quem já estava contando com o Prêmio Nobel da Paz pelo fim do programa nuclear da Coreia do Norte, o cancelamento do encontro do presidente dos EUA, Donald Trump, com o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, foi um tombo e tanto.

Fora ter que aguentar o bullying no Twitter por causa das moedas comemorativas das “Negociações de Paz” que a agência de comunicações da Casa Branca mandou fazer, com as imagens de Donald Trump e do “Líder Supremo Kim Jong-un” (sim, usando o título hagiográfico que Pyongyang prefere).

Parece que o autor do best-seller “A Arte da Negociação” é, na realidade, um especialista em desfazer negociações —saiu do acordo do clima em Paris, desfez o acordo com o Irã, anunciou e cancelou a negociação de paz com a Coreia do Norte, aquela que todos os outros presidentes haviam tentado concluir, mas só ele conseguiria.

Mas devagar com o andor do Schadenfreude, porque Trump ainda pode rir por último.

A versão da Casa Branca é que os norte-coreanos descumpriram várias promessas e, por isso, o encontro do dia 12 de junho seria cancelado. Um escalão avançado da Casa Branca foi a Singapura na semana passada para discutir com norte-coreanos a logística do encontro.

“Eles ficaram lá três dias esperando, e os norte-coreanos nunca apareceram. E nunca nos disseram nada. Eles simplesmente deram o cano”, disse um funcionário da Casa Branca em briefing com jornalistas.

A justificativa epistolar de Trump foi: "Infelizmente, considerando a tremenda raiva e hostilidade demonstrada em sua declaração mais recente, acho que não seria apropriado termos este encontro neste momento”.

A gota d’água teriam sido as declarações do governo norte-coreano na quarta-feira (23) à noite, ameaçando um “confronto nuclear” caso não houvesse encontro e dizendo que as declarações do vice-presidente, Mike Pence, tinham sido “estúpidas e ignorantes”.

Pence disse em entrevista na rede Fox News que a Coreia do Norte teria o mesmo destino que a Líbia caso se recusasse a negociar.

Pyongyang já havia demonstrado profundo desagrado com as declarações anteriores de John Bolton, assessor de segurança nacional, dizendo que os EUA queriam seguir “o modelo líbio” de desnuclearização com a Coreia do Norte.

De fato, referência infeliz –oito anos após abrir mão de todo seu programa nuclear, o ditador líbio, Muammar Gaddafi, foi deposto e assassinado.

Para os críticos, Trump finalmente caiu na real e preferiu um cancelamento preventivo do que sair do tão propalado encontro de mãos vazias. Teria havido uma epifania no salão oval: finalmente os trumpistas se deram conta de que desnuclearização para Kim Jong-un significa algo bastante diferente do conceito de desnuclearização de Trump. 

Os EUA exigem eliminação completa, verificável e irreversível do programa nuclear de Pyongyang antes de começar a relaxar as sanções –Kim quer um desmantelamento gradual de seu programa, com concessões sincronizadas.

Mas, para uma corrente, foi tudo friamente calculado e é parte do estilo de negociar de Trump. O presidente americano inclusive cita essa estratégia na “arte da negociação” –demonstre que está disposto a simplesmente abandonar a negociação. Dessa maneira, Trump teria maior alavancagem para extrair concessões, em vez de entrar na reunião como o lado desesperado por um acordo.

Por isso, apesar de cancelar o encontro com Kim, Trump afirmou que a porta está aberta para que a reunião seja remarcada.

As primeiras declarações vindas da Coreia do Norte após o cancelamento foram bastante comedidas. O vice-ministro das relações exteriores, Kim Kye-gwan, afirmou que as críticas “hostis” haviam sido apenas um protesto contra a retórica americana e mostravam justamente a necessidade de negociações com Washington.

“Anunciar o cancelamento do encontro foi uma surpresa para nós e a Coreia do Norte está aberta a resolver suas questões com Washington a qualquer momento, de qualquer maneira possível”, disse.

Será que eles acusaram o golpe e a estratégia de Trump funcionou, Pyongyang vai amolecer e pedir para o encontro ser remarcado? Ou será que eles são mais espertos ainda, e querem aproveitar para deixar a negociação sem fazer nenhuma concessão, e ainda se saírem de coitados?

Recorrendo às sábias palavras constantemente repetidas por Trump: “Vamos ver o que acontece”.

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