Para quem já estava contando com o Prêmio Nobel da Paz pelo fim do programa nuclear da Coreia do Norte, o cancelamento do encontro do presidente dos EUA, Donald Trump, com o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, foi um tombo e tanto.
Fora ter que aguentar o bullying no Twitter por causa das moedas comemorativas das “Negociações de Paz” que a agência de comunicações da Casa Branca mandou fazer, com as imagens de Donald Trump e do “Líder Supremo Kim Jong-un” (sim, usando o título hagiográfico que Pyongyang prefere).
Parece que o autor do best-seller “A Arte da Negociação” é, na realidade, um especialista em desfazer negociações —saiu do acordo do clima em Paris, desfez o acordo com o Irã, anunciou e cancelou a negociação de paz com a Coreia do Norte, aquela que todos os outros presidentes haviam tentado concluir, mas só ele conseguiria.
Mas devagar com o andor do Schadenfreude, porque Trump ainda pode rir por último.
A versão da Casa Branca é que os norte-coreanos descumpriram várias promessas e, por isso, o encontro do dia 12 de junho seria cancelado. Um escalão avançado da Casa Branca foi a Singapura na semana passada para discutir com norte-coreanos a logística do encontro.
“Eles ficaram lá três dias esperando, e os norte-coreanos nunca apareceram. E nunca nos disseram nada. Eles simplesmente deram o cano”, disse um funcionário da Casa Branca em briefing com jornalistas.
A justificativa epistolar de Trump foi: "Infelizmente, considerando a tremenda raiva e hostilidade demonstrada em sua declaração mais recente, acho que não seria apropriado termos este encontro neste momento”.
A gota d’água teriam sido as declarações do governo norte-coreano na quarta-feira (23) à noite, ameaçando um “confronto nuclear” caso não houvesse encontro e dizendo que as declarações do vice-presidente, Mike Pence, tinham sido “estúpidas e ignorantes”.
Pence disse em entrevista na rede Fox News que a Coreia do Norte teria o mesmo destino que a Líbia caso se recusasse a negociar.
Pyongyang já havia demonstrado profundo desagrado com as declarações anteriores de John Bolton, assessor de segurança nacional, dizendo que os EUA queriam seguir “o modelo líbio” de desnuclearização com a Coreia do Norte.
De fato, referência infeliz –oito anos após abrir mão de todo seu programa nuclear, o ditador líbio, Muammar Gaddafi, foi deposto e assassinado.
Para os críticos, Trump finalmente caiu na real e preferiu um cancelamento preventivo do que sair do tão propalado encontro de mãos vazias. Teria havido uma epifania no salão oval: finalmente os trumpistas se deram conta de que desnuclearização para Kim Jong-un significa algo bastante diferente do conceito de desnuclearização de Trump.
Os EUA exigem eliminação completa, verificável e irreversível do programa nuclear de Pyongyang antes de começar a relaxar as sanções –Kim quer um desmantelamento gradual de seu programa, com concessões sincronizadas.
Mas, para uma corrente, foi tudo friamente calculado e é parte do estilo de negociar de Trump. O presidente americano inclusive cita essa estratégia na “arte da negociação” –demonstre que está disposto a simplesmente abandonar a negociação. Dessa maneira, Trump teria maior alavancagem para extrair concessões, em vez de entrar na reunião como o lado desesperado por um acordo.
Por isso, apesar de cancelar o encontro com Kim, Trump afirmou que a porta está aberta para que a reunião seja remarcada.
As primeiras declarações vindas da Coreia do Norte após o cancelamento foram bastante comedidas. O vice-ministro das relações exteriores, Kim Kye-gwan, afirmou que as críticas “hostis” haviam sido apenas um protesto contra a retórica americana e mostravam justamente a necessidade de negociações com Washington.
“Anunciar o cancelamento do encontro foi uma surpresa para nós e a Coreia do Norte está aberta a resolver suas questões com Washington a qualquer momento, de qualquer maneira possível”, disse.
Será que eles acusaram o golpe e a estratégia de Trump funcionou, Pyongyang vai amolecer e pedir para o encontro ser remarcado? Ou será que eles são mais espertos ainda, e querem aproveitar para deixar a negociação sem fazer nenhuma concessão, e ainda se saírem de coitados?
Recorrendo às sábias palavras constantemente repetidas por Trump: “Vamos ver o que acontece”.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.