O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, completaria 87 anos nesse mês de novembro. Não viveu para ver o combate à fome virar política pública de referência mundial, que tirou o Brasil do Mapa da Fome em 2014.
Também não viu a rapidez com que voltamos a esse mesmo Mapa, sendo agora 33 milhões de brasileiros que muitas vezes precisam se alimentar com carcaças e restos de comida para sobreviver.
Como seu filho, queria muito poder lhe dizer que o direito básico à alimentação desses 15% da população voltará a ser prioridade a partir de 2023.
A maior qualidade de Betinho era ser ponte de diálogo entre opiniões divergentes. Entendeu como ninguém que ou o enfrentamento à miséria era um problema de todos ou não teria solução.
Depois de quase 30 anos, a Ação da Cidadania reafirma a importância dos 125 milhões de brasileiros em insegurança alimentar serem, também, um problema de todos.
Mas em vez disso, temos perpetuado um ciclo perverso contra a população mais pobre, alternando vontade política com uma indiferença imoral e cruel, que aprofunda a desigualdade social e nos distancia da essência do que é a democracia.
Neste ano mobilizamos o país com as campanhas SOS Enchentes Brasil, Brasil sem Fome, Pacto pelos 15% com Fome e o Natal sem Fome. Realizamos o Encontro Nacional contra a Fome para discutir suas causas, consequências e soluções, e distribuímos milhares de toneladas de comida nacionalmente.
Mas, apesar de todo o esforço da sociedade civil, os dados revelados pela pesquisa da Rede Penssan só confirmaram o óbvio: sem políticas públicas robustas, estamos chicoteando o mar. Um mar de famintos.
Betinho foi vítima dessa mesma falta de política pública há 25 anos, quando a comercialização do sangue contaminou milhares de brasileiros com o vírus da Aids, incluindo ele e seus irmãos Henfil e Chico Mário.
Se agora a Lei Betinho impede que um ato de solidariedade, como a doação de sangue, seja vendido, quantos morreram até a sua promulgação, em 2001?
Ele nasceu hemofílico, teve tuberculose, enfrentou o exílio e a ditadura. Quando voltou para o Brasil foi infectado pela Aids numa transfusão de sangue.
Betinho teria todos os motivos para não fazer nada a não ser cuidar da sua frágil saúde, mas resolveu mobilizar a sociedade pelas causas que hoje são mais atuais do que nunca: fome, democracia, reforma agrária, direitos humanos e, principalmente, solidariedade.
Meu pai nunca reclamou dos infinitos obstáculos que a vida lhe impôs. Só detestava uma coisa: de quem ficava reclamando da vida, e nós não temos esse direito.
Está no ar um sentimento de esperança para todos os que tem fome de uma cidadania ampla, geral e irrestrita. Aquela que não deixa nenhum brasileiro para trás.
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