Paraísos dos parques eólicos e solares, o Norte e o Nordeste ameaçam o sistema elétrico com risco de panes diante do descompasso entre investimentos em geração e nas linhas de transmissão necessárias para o escoamento dessa energia para os polos consumidores.
É o que afirmam técnicos da Secretaria de Inovação e Transição Energética da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) em um parecer sobre o despacho de energia da Termelétrica de Portocém I, no Ceará.
O alerta, dado há um ano, revela uma sobrecarga nas linhas de transmissão disponíveis diante do crescimento dos projetos de geração até 2029, quando ficam prontas as novas linhas.
Até lá, escrevem os técnicos da Aneel, cerca de 1.400 novas unidades geradoras fotovoltaicas devem entrar em funcionamento.
"Mesmo sem a presença da UTE Portocém I, poderá ocorrer sobrecarga na LT 230 kV Piripiri-Ibiapina, quando da contingência [falha] da LT 230 kV Piripiri-Marangatu", diz o parecer. "O despacho da geração da UTE Portocém I, embora não seja a causadora, agravará a citada sobrecarga."
Desde 2021, a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) avisa que é preciso investir em novas linhas de transmissão.
Os recentes leilões de transmissão da Aneel atenderam a esse apelo, mas só devem estar energizadas, como se diz no jargão do setor, em 2029.
Por isso, os técnicos apontam um risco associado ao escoamento da energia gerada na região Norte e Nordeste.
Existem 53 unidades geradoras de energia solar em construção no Nordeste. O maior desses empreendimentos é o complexo Assú Sol, no Rio Grande do Norte, da multinacional francesa Engie.
Há outras 1.799 unidades com projetos aprovados pela Aneel, mas sem obras em andamento. Ao todo, a capacidade a ser instalada soma mais de 77 GW de potência.
Das unidades geradoras fotovoltaicas cujas obras ainda não foram iniciadas, a grande maioria delas (1.438 ou 80%) preveem licença de operação antes de 2029.
Consultada, a Aneel explicou que as empresas interessadas em uma outorga de geração têm total liberdade para estruturar seus projetos. As empresas assumem todos os riscos relacionados à fonte, localização e potência instalada.
O órgão explica que a resolução normativa 1071, de 2023, estabelece os requisitos para a solicitação de outorga de empreendimento de geração, com a documentação necessária para a qualificação jurídica e qualificação técnica. Um dos documentos exigidos é o Contrato de Conexão à rede, seja de distribuição (CUSD) ou de transmissão (CUST).
Desde o final de 2023, todas as outorgas só são emitidas após a contratação do ponto de conexão, ou seja, após ter garantido o seu escoamento. Um decreto emitido no governo Bolsonaro (10.839, de 2021), no entanto, permitiu que as usinas fossem outorgadas sem documento de acesso, e, portanto, sem escoamento garantido.
"Essa inovação legislativa permitiu que milhares de projetos, especialmente de fonte solar, fossem outorgados sem análise de acesso. Diante desse cenário, uma vez atendidos os outros requisitos da outorga referente à qualificação jurídica e qualificação técnica, a outorga de autorização do empreendimento é emitida", disse a Aneel em nota.
Com Diego Felix
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