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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

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Para derrubar preço, ministro do TCU obriga compra de medicamento sem registro para o SUS

Decisão que impôs participação de estrangeiros em pregão de R$ 840 milhões do Ministério da Saúde está sob julgamento do STF

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Brasília e São Paulo

O Ministério da Saúde tenta há cerca de um ano abastecer o SUS de imunoglobulina humana, um negócio de R$ 840 milhões, mas a compra segue embolada em meio a disputas comerciais.

Inicialmente, a pasta queria que somente empresas com registro na Anvisa –a grande maioria nacionais– participassem do pregão para garantir o controle da qualidade do produto. Mas uma decisão do ministro do TCU Vital do Rêgo impôs o acesso a fabricantes estrangeiros sem registro na agência, desde que tivessem alguma certificação internacional.

Fachada do Tribunal de Contas da União, em Brasília (DF)
Fachada do Tribunal de Contas da União, em Brasília (DF) - Antonio Molina - 14.abr.22/Folhapress

A imunoglobulina é um hemoderivado, um remédio produzido a partir do plasma do sangue humano para melhorar a imunidade de pacientes. É usada no tratamento de imunodeficiências primárias e secundárias, neuropatias, síndrome de Guillain-barré, doença de Kawasaki, entre outras. Sem a reposição dos anticorpos, os pacientes correm risco de morte.

O ministério faz compras milionárias para atender esses pacientes da rede pública quase todo ano.

Na pandemia, foi realizada uma compra de R$ 287,5 milhões da empresa chinesa Nanjing, sem registro na Anvisa, como forma de evitar desabastecimento e gasto excessivo.

No início de 2023, o ministério cogitou uma nova compra planejada para novembro e preparou um edital para 200 mil frascos de imunoglobulina.

O pregão foi suspenso diante de uma representação do Ministério Público junto ao TCU sob a alegação de que havia "potencial prejuízo ao erário por prática anticoncorrencial".

"Convém salientar, mais uma vez, que podemos estar diante da real possibilidade de conluio entre os poucos licitantes nacionais, o que indicaria que —em sendo admitida a participação de empresas estrangeiras que atendam às condições estabelecidas na mencionada deliberação do TCU— a exigência de registro junto à Anvisa seja requerida apenas quando da execução do contrato, e não como requisito de habilitação", escreveu o procurador Lucas Furtado na representação.

Em dezembro de 2023, o ministro Vital do Rêgo permitiu a compra emergencial do medicamento, desde que o ministério abrisse para estrangeiros com algum tipo de certificação internacional.

A decisão, segundo o despacho do ministro, se baseou em risco de desabastecimento e economicidade. A preocupação era de que um mesmo fornecedor brasileiro não pudesse entregar todo o lote de frascos, o que levaria ao fracionamento do contrato exigindo mais controle de qualidade. Além disso, com a entrada das estrangeiras, poderia haver concorrência, reduzindo o preço.

A área técnica do TCU, no entanto, divergiu.

Documentos obtidos pelo Painel S.A. mostram que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já tinha enviado à pasta um levantamento comprovando que cada empresa registrada no país tinha condição de oferecer 2,4 milhões de frascos da imunoglobulina.

A previsão de consumo no mercado privado naquele momento era de 200 mil frascos no ano, segundo o relatório.

O documento sigiloso consta no processo que embasou a licitação. Nele também houve ressalvas em relação aos laboratórios estrangeiros que pleitearam participação na disputa.

Sem citar nomes, os técnicos da Anvisa afirmaram não ter encontrado registros da comprovação de conformidade das interessadas junto a órgãos reguladores da União Europeia e dos EUA.

Diante dessa situação, a brasileira Blau Farmacêutica ingressou com uma mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal.

O ministro do STF Kassio Nunes Marques, relator do caso, votou pelo cancelamento da decisão do ministro do TCU. O processo está paralisado por um pedido de vista do ministro do STF Dias Toffoli.

A Blau considera que essas compras são sensíveis. Na pandemia, cargas de imunoglobulina vendidas por estrangeiros sem registro foram descartadas pela Anvisa por apresentarem falhas no transporte, que não contou com controle de temperatura, algo que inutiliza o produto.

R$ 1.028 por frasco

O governo busca adquirir 817.067 frascos e se dispõe a pagar até R$ 1.028 por unidade. Entre as 20 interessadas, 9 disseram ter condições de entregar, sozinhas, o volume total. No entanto, somente empresas chinesas se aproximaram do preço-alvo, inicialmente.

Foram elas a Farma Medical e a Auramedi, que representam as fabricantes Harbin e CR Pharmaceutical com ofertas por unidade de R$ 979 e R$ 1.099, respectivamente.

O primeiro lance da brasileira Blau Farmacêutica foi de R$ 2.126 por frasco. A Blau também é a fornecedora de outros distribuidores nacionais que fizeram propostas. Nesses casos, as ofertas variaram entre R$ 2.300 e R$ 6.000 por unidade.

As únicas ofertas abaixo do teto definido pelo governo foram da Accord (R$ 720), Unika (R$ 755) e Hangar (R$ 767,77), mas as distribuidoras só se comprometeram com 200 mil frascos.

Os lances continuam em meio ao julgamento no Supremo.

As nacionais dariam conta, diz Saúde

O Ministério da Saúde afirmou que a atual aquisição de imunoglobulina está fundamentada no Acordão 242/2023 do TCU, que determinou a participação excepcional de empresas estrangeiras com produtos sem registro na Anvisa, até que a situação excepcional de indisponibilidade do fármaco no mercado nacional, em quantidade e preços razoáveis, seja devidamente comprovada e superada.

A pasta informa, via assessoria, que solicitou à Anvisa informações sobre a fabricação, importação e distribuição de imunoglobulina, questionando se o mercado nacional está em condições de fornecer e atender a demanda nacional.

Em resposta, a agência afirmou que o mercado nacional teria condições de fornecer integralmente todo o quantitativo a ser adquirido pela pasta.

Além disso, o ministério considerou que, com o fim da Resolução 7/2022 da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), o órgão voltou a regular o preço da imunoglobulina, evitando a ocorrência de preços predatórios, sem prejuízo da obtenção de valores ainda mais econômicos após pesquisa de preços.

Com base nesses dois fatores, a pasta disse não ter motivos para a participação excepcional de estrangeiras com produtos sem registro na Anvisa.

"De forma a assegurar a transparência do processo aquisitivo, o Ministério da Saúde encaminhou para conhecimento e apreciação do TCU todos os subsídios coletados", disse em nota.

"No dia 7 de dezembro de 2023, o órgão [TCU] entendeu que ainda haveria risco de frustração do processo licitatório e, de forma cautelar, determinou a participação de empresas com medicamento sem registro no Brasil."

Com Diego Felix

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