Empresas que têm o governo como acionista relevante estão preocupadas com o uso de assentos nos seus conselhos de administração e até no corpo executivo como instrumento de barganha política no Congresso.
O receio é de que esses grandes cargos no setor privado sejam usados para abrigar aliados de partidos políticos na busca por governabilidade.
Em jogo, estão cargos que remuneram os indicados com, pelo menos, R$ 500 mil por ano nos conselhos, colegiados que definem a estratégia de atuação das companhias.
Três grandes companhias disseram à coluna, reservadamente, ver a sinalização de que essa será uma tática política do governo Lula.
Para elas, duas são as principais evidências. A primeira foi o gelo dado no bilionário Rubens Ometto, acionista da Cosan, que tem participação na Vale.
O empresário havia criticado publicamente a intenção de Lula de colocar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega na presidência da mineradora por meio da Previ, a fundação que cuida dos planos de aposentadoria dos funcionários do Banco do Brasil. A instituição possui 8,68% da Vale.
Com audiência marcada com Lula, o empresário tomou um chá de cadeira na sala de espera do Palácio do Planalto e não foi recebido.
A segunda sinalização foi a nomeação dos ministros Anielle Franco (Igualdade Racial) e Carlos Lupi (Previdência Social) para o conselho de administração da metalúrgica Tupy. Nenhuma das pastas tem relação com a atividade.
Ambos foram indicados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), maior acionista individual com 28,19% de participação.
O salário mensal para os integrantes do conselho da Tupy é de R$ 36 mil.
Sem barreiras
Desde 2016, ministros de estado estavam proibidos de ocupar cargos em conselhos de administração de estatais por força de imposição da Lei das Estatais.
No entanto, no fim de 2022, o PCdoB ajuizou com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a restrição no Supremo Tribunal Federal e, desde então, esse reforço na remuneração de ministros (conhecido como jeton) voltou a valer.
O governo Lula 3 inovou e, com o caso da Tupy e da Vale, rompeu uma fronteira desde então: fazer indicações para empresas privadas.
A justificativa oficial é de que, a exemplo da Eletrobras, essas empresas desempenham papel relevante na economia e, por isso, quer ter poder na gestão proporcional à sua participação acionária.
O recente apagão provocado por uma falha numa subsidiária da Eletrobras, privatizada recentemente, é usado como argumento em favor da mudança de postura da União.
O Planalto discute no STF o direito de ter ao menos quatro assentos no conselho, mesmo após a privatização.
DNA estatal
Atualmente, a presença do governo nas empresas de capital aberto e fechado se dá por meio de BNDES, FI-FGTS (Fundo de Investimento do FGTS) e dos fundos de pensão Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa Econômica Federal). Essas entidades, embora não façam parte da administração direta, são geridas por indicados do Planalto.
Juntas, elas possuem participação acionária em 117 companhias e 28 delas são expostas politicamente. Ou seja: têm algum grau de relacionamento direto com o governo ou porque são reguladas, casos de empresas de energia, transporte e comunicação, por exemplo; ou porque são dependentes de políticas públicas, casos de construtoras.
O BNDESPar, braço de investimento do banco de fomento, possui em sua carteira 89 empresas abertas e 27 fechadas. No Petros, uma em quatro das empresas investidas tem algum grau de exposição política. Na Previ, Funcef e no FI-FGTS, essa proporção é de 60%.
O maior problema para essas companhias, no entanto, são os efeitos das indicações de pessoas politicamente expostas. Além de ferir regras de governança, a situação abre espaço para conflitos de interesse.
Além disso, ainda segundo as empresas ouvidas, isso cria outro problema: buscar no mercado conselheiros independentes que aceitem participar de decisões junto com políticos ou integrantes do governo.
Com Diego Felix
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