Otavio Frias Filho, diretor de Reda��o da Folha, � autor de "Queda Livre" (Companhia das Letras, 2003) e "Cinco Pe�as e Uma Farsa" (Cosac Naify, 2013). Escreve aos domingos, mensalmente.
Na cultura pol�tica do Brasil, doutrinas fan�ticas t�m pouca chance de sucesso
Ricardo Borges - 10.ago.2017/Folhapress | ||
O deputado federal Jair Bolsonaro em coletiva de imprensa para anunciar sua mudan�a de partido |
Quando o cientista pol�tico americano Francis Fukuyama publicou, h� quase 30 anos, um famoso ensaio no qual postulava que a evolu��o das sociedades enfim terminara ("O Fim da Hist�ria?", 1989), suas teses foram recha�adas com esc�rnio. Uma condena��o un�nime se abateu sobre o ensaio, a ponto de o pr�prio autor, que tivera o cuidado de situar sua proposi��o num plano especulativo, escrever um livro para matiz�-la.
Essa condena��o, entretanto, que se reitera a cada vez que o ensaio � citado, capta mal o seu teor. Fukuyama n�o disse que a hist�ria acabara porque estariam extintos os conflitos, as guerras, crises ou reviravoltas. Toda a agita��o que preenche o notici�rio haveria de prosseguir, numa intensidade talvez at� acelerada.
Sua hip�tese se voltava ao n�vel mais estrutural. No ano do colapso do socialismo sovi�tico, dito "real", o texto propunha que o modelo baseado na economia de mercado combinada � democracia liberal, dadas sua flexibilidade e efici�ncia, sobrevivera aos totalitarismos de esquerda e de direita no s�culo 20 e talvez fosse o est�gio definitivo de organiza��o pol�tico-econ�mica.
� uma especula��o que dialoga com a tradi��o hegeliana, em particular a marxista, que cultivou a no��o de que, ap�s uma s�rie de conflitos bin�rios, a sociedade atingiria um est�gio de esclarecimento e autoconcilia��o correspondente ao fim da hist�ria. Fukuyama teve o desplante de sugerir que tal utopia n�o seria a dos planejadores sociais, mas o pr�prio capitalismo liberal que seus projetos tratavam de substituir.
Profecia temer�ria e imposs�vel de refutar, dada a escala de tempo implicada em suas ambi��es. Embora varia��es de capitalismo tenham se enraizado na R�ssia e na China, e a democracia n�o, ou ainda n�o, nada no horizonte sugere alternativa ao modelo prevalecente. Exceto pelo terrorismo isl�mico, forma regressiva e isolada de resist�ncia, e pela contesta��o intermitente na franja das grandes cidades, ningu�m o desafia.
De repente, por�m, surge uma poderosa onda eleitoral de populismo conservador no pr�prio n�cleo do sistema. Na esteira deixada pela crise que acometeu as economias desenvolvidas no per�odo 2008-12, multid�es se arregimentam sob as bandeiras do nacionalismo, da xenofobia, do protecionismo, da restaura��o moral e religiosa, da intoler�ncia e da lideran�a autorit�ria. Representam, talvez, o principal obst�culo � globaliza��o liberal desde a queda do socialismo.
Quando se pensa nessa onda v�m � mente os Estados Unidos (Trump), a Inglaterra ("brexit") e a Fran�a, onde a direita ultranacionalista se consolidou como segunda for�a pol�tica. Mas o fen�meno ganha amplitude ao se acrescentarem � lista autocratas de pa�ses como R�ssia (Putin), Turquia (Erdogan), Filipinas (Duterte) e Hungria (Orb�n), todos express�o de um eleitorado iliberal e regressivo. Um candidato com esse perfil conta hoje com apoio consider�vel na popula��o brasileira.
Por qu�? Explica��es n�o faltam, nem haveria como aferir a influ�ncia de cada qual. Conforme a mecaniza��o avan�a, e a cada crise do capitalismo, h� uma substitui��o de empregos que exclui gente. Parte da classe m�dia tradicional ficou espremida entre a elite qualificada e imigrantes em ascens�o. A inexist�ncia de um contraponto como o socialismo "real", a disputa entre os governos para atrair capitais e a pr�pria demografia (menos trabalhadores, mais aposentados) compeliram � redu��o de prote��es sociais e contribu�ram para a desigualdade.
Outro fator � que a China, tendo funcionado durante a maior parte desse tempo como d�namo da economia mundial, vem reduzindo seu ritmo de crescimento, o que levou economias dependentes daquele ritmo a ajustes. At� mesmo as redes sociais, cuja din�mica favorece o pensamento simplista e o comportamento de manada, teriam parte de responsabilidade.
Estaria o Brasil vacinado contra essa corrente, capaz de impedir por meios democr�ticos que ela se torne majorit�ria? Uma cultura pol�tica como a nossa, que nunca levou as ideias a s�rio, que sempre as tomou como emblema ornamental e que cultua a autoimagem da cordialidade, � terreno pouco prop�cio ao �xito de doutrinas fan�ticas, posi��es extremas ou intolerantes. Seria um fascismo dilu�do, inzoneiro.
Movimentos de direita beligerante costumam prosperar no auge das crises econ�micas, n�o quando elas come�am a ficar para tr�s. A pol�tica posterior ao predom�nio petista parece sob comando da centro-direita; t�o logo se defina uma candidatura nessa faixa, a postula��o do deputado Jair Bolsonaro dever� se esvaziar. Dele deveriam ser cobrados compromissos democr�ticos, ao mesmo tempo que lhe deve estar assegurado o direito a competir e expressar seus pontos de vista, na forma da lei.
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