Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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José perdeu a visão um dia após conhecer a mãe dos seus filhos

A história do casal que se apaixonou enquanto ele se recuperava de um acidente que lhe tomou a vista

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São Paulo

José Giuliangeli de Castro, 53, viu a mãe dos seus três filhos poucas vezes na vida. Os olhares por vezes se cruzavam nos corredores da UEL (Universidade Estadual de Londrina), onde ele cursava fisioterapia, e ela, psicologia. Mas não existia paquera, sequer sabiam o nome um do outro. Até que rolou.

Carolina dos Santos Espindola, 50, lembra a data: foi no dia 19 de junho de 1993. Ela fazia o tipo nerd, daquelas que preferia estudar a farrear. Mas uma amiga do teatro a convidou para a estreia de sua peça. Foi, e na cadeira à sua esquerda estava o rapaz garboso de cabelos castanhos.

Achou estranhíssimo alguém se chamar só José, e não, sei lá, José Augusto, José Ricardo. No começo até desconfiou que ele estava tirando uma com a cara dela, fornecendo um pseudônimo. Ele tirou o RG do bolso do casaco pesado que usava contra o frio paranaense. Ela guardou aquele nome.

Na saída do teatro, José a chamou para uma festa junina no dia seguinte. Passaria de carro para buscá-la às 18h. Deu uma hora e nada.

"Levei um bolo", Carolina deduziu e ligou a TV. "Estudante da UEL sofre acidente grave e está entre a vida e a morte", dizia o telejornal local. Na tela, o RG de José.

O fisioterapeuta José Giuliangeli de Castro e a psicóloga Carolina dos Santos Espindola se conheceram um dia antes de ele perder a visão - Arquivo pessoal

Pegou um táxi e foi direto para o hospital. Descobriu depois que o paquera voltava da final de um campeonato de sinuca que organizou quando o Chevette branco do amigo, "velho pra caramba", pifou. Combinaram que ele tentaria dar partida enquanto o colega empurrava o carro.

José acelerou demais, perdeu o controle e bateu numa árvore. "Naquela época, os vidros estilhaçavam", diz Carolina. Cacos de vidro voaram nos olhos do condutor. Ele pegou carona numa moto, o rosto ensopado de sangue, até a emergência.

Não era caso de vida ou morte, como errou a reportagem, mas o dano ocular foi sério o bastante para reter José por meses no hospital. Carolina visitava quase todos os dias. Em setembro, o médico recomendou atendimento em São Paulo.

A família dele era muito simples, conta ela. A mãe trabalhava como técnica em radiologia. O pai, hemiplégico após cair do terceiro andar de uma obra quando era pedreiro, porteiro no hospital. Uma irmã mais velha já não tinha mais como faltar ao trabalho como professora de matemática.

José, contudo, precisava de um acompanhante que pingasse colírio nele a cada 15 minutos na ambulância até a capital paulista. Carolina se voluntariou.

As seis cirurgias que o universitário fez não conseguiram reverter o quadro. Perto do Natal, veio o diagnóstico: uma infecção nos olhos lhe deu perda total na visão.

A moça que havia convidado para a quermesse não saiu do seu lado. Voltaram os dois para Londrina, para morar morar juntos. Um tio deu um Fusca para o casal, ela aprendeu a dirigir, e assim José conseguiu se formar. "A gente levou a vida." Casaram-se em janeiro de 1995.

Oito dias antes do altar, ela, que uma vez ouviu de um médico que era infértil, descobriu-se grávida de gêmeos. Então os enjoos que sentia não eram, afinal, gastrite pelo nervoso que passava às vésperas do enlace.

A vida foi boa por um tempo. Carolina fez curso para auxiliar deficientes visuais. Dicas básicas, como marcar os tubos de xampu e condicionador em braile, ou descrever a comida para José visualizar a refeição. Pêdra e Mateus nasceram em julho.

Ana Clara chegou sete anos depois. O casamento já não ia bem. Em 2000, José se elegeu vereador, e a rotina ficou puxada para a mulher. Carolina estava acostumada a assumir as rédeas da casa, com o grosso da organização doméstica sob sua guarda. Mas aquele entra e sai de gente no lar começou a tirar seu sossego.

E no meio disso tudo veio a gestação da terceira filha, delicada. "Eu tinha dois empregos, trabalhava 12 horas por dia. A gente começou a se desentender. Ele fazia viagens por causa da política, eu sozinha correndo risco".

José saiu de casa com ela grávida de seis meses. Carolina já tinha avisado que, depois do parto, voltaria para perto dos pais, no interior de São Paulo. Queria recomeçar a vida.

O tempo tratou de cicatrizar feridas, e eles foram ficando amigo de novo. Já são 21 anos separados como casal, mas unidos como pais de Pêdra, Mateus e Ana. "Acredito que seja uma história de resiliência de todos nós", diz Carolina.

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