� escritora e colunista de gastronomia da Folha h� 25 anos. � formada em Educa��o pela USP e dona do Buffet Ginger h� 26 anos.
Escreve �s quartas-feiras.
O bicho que manda
Marcelo Justo - 11.mai.2012/Folhapress | ||
N�o entendo de bichos, nem sei o nome deles. Me incomodam os sapos e insetos e morcegos que n�o sabem seu lugar e se enfiam casas adentro sem desconfi�metro.
Dessa vez, aqui de S�o Paulo, pedi ovos caipiras ao Alexandre —e bastante. Para comer e enfeitar a mesa, nada t�o bonito quanto um ovo. Alexandre � de uma educa��o jamais vista, senti um certo gaguejar, percebi que alguma coisa n�o ia bem. "Sabe, dona Nina, as galinhas de cinquenta passaram a nove, s�o aqueles bichos que a gente n�o pode matar, ficam a� no mato, e � piscar o olho e atacam os animais de comer." � para se ter fome, mas n�o se pode desembainhar a faca, n�o se pode.
J� l� no s�tio, vi, olho no olho, o medo que ele tem de contar que algu�m jogou uma �rvore no ch�o, que cortou um galho da goiabeira, que matou um cachorro do mato. "Dona Nina, n�o conto nada, se contar sou c�mplice", e revirava os olhos de medo de ser preso. S� no bananal largado, redondo, pl�cido � que se toca sem medo.
Desde que comecei a ir a Paraty, me comovi com a mudan�a de comportamento para com os animais, o respeito conseguido, as proibi��es obedecidas, o esfor�o das mestras, um certo descontentamento dos mais velhos, bem mais velhos. E dos que sabiam ca�ar, horas e horas �
espreita, no muito escuro da noite, silenciosos como peixes, mudos como o Z� Capenga.
O tempo foi passando e comecei a me irritar um pouco, tanto aqui como l�, com as crian�as que cortam uma haste e pedem desculpas � flor, os pescadores que pescam os peixes e os beijam na boca antes de solt�-los de novo, os turistas que olham com asco os pescadores, mas
atribu� tudo � minha ignor�ncia e fome.
Mas agora, que exagero � esse? Como equilibrar de novo as coisas? Aqueles bichos que n�o se podiam matar voltaram com tudo, comem e estrangulam nossas galinhas, o Alexandre n�o tem mais ovos, os marrecos deixam as penas boiando no lago, as d'angola n�o correm mais
desarvoradas pelos morros, os gansos morreram todos. O fais�o dormiu s� uma noite por aquelas bandas, nem chegou a ver a mistura verde-mar, foi pro papo escuro do bicho que pode, do bicho que manda. E o pav�o que era s� beleza manchou o ch�o de vermelho e arco-�ris, pobre na morte feia.
Diz o Alexandre que os lobos chegam pertinho de casa e sangram tudo, sabe que tem at� on�a por ali, gato do mato, jaguatirica. Ui!
N�o tem mais crian�a que perceba que tratar bem um animal e com�-lo depois est� dentro das regras, e sempre dizem, "que bonitinho, n�o mata, n�o! "
"E a floresta, e o mato, D Nina?" Quero fazer um ch� de goiabeira, mas at� tenho medo do ch� me queimar a l�ngua com seu fogo de n�o pode. " "N�o pode cortar, �, Alexandre? E todo esse artesanato de madeira que compramos na cidade, de onde vem esses paus?" "Sei n�o, D Nina,
daqui n�o �." "Mas n�o tem um modo de podar essa mataria, n�o enxergo nem a casinha nova do Laerte..." "Sei l�, d Nina, eles dizem que os bichos e os verdes sabem se equilibrar e que a gente n�o pode se meter."
Ser�? N�o est� me parecendo. "Mas, se o lobo pega o cordeiro est� certo, Alexandre?"
Entendo que depois de tanta doutrina��o � dif�cil ir contra o excesso de vida selvagem que aprendemos a respeitar com tanta dificuldade, beijando os peixes na boca, rezando por cada formiga morta, arrependidos. E com tantos protetores, t� tudo protegido. Da sa�va � baleia e ao mico dourado. Tudo quanto � bicho, tudo quanto � p�ssaro, tudo quanto � peixe. Antes estavam sumindo, foi um estardalha�o, agora entram duros, pontiagudos na casa das gentes e comem os ovos e os bobos animais parados, esperando a mordida final.
Dessa vez nem adiantou esconder os ovos das galinhas do Alexandre, Ulisses, o predador mor, foi l�, achou e comeu.
Me expliquem, por favor, ou n�o, eu at� que entendo, leiam Nature Wars de Jim Sterba.
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