� escritora e colunista de gastronomia da Folha h� 25 anos. � formada em Educa��o pela USP e dona do Buffet Ginger h� 26 anos.
Escreve �s quartas-feiras.
O ovo nunca fica obsoleto
Isadora Brant - 12.fev.2011/Folhapress | ||
Custei a entrar no Facebook, n�o entendia direito o que se comunicava l�, se era um blog, ou um papo, para que servia. Se tinha vontade de contar aos outros quem era eu e saber deles quem eram. N�o sei usar o computador, n�o sei fotografar...
Mas entrei. Quase n�o pude acreditar naquele mundo fragmentado —quase s� de imagens— e, no meu caso, imagens de comida. Embasbaquei... e me acostumei.
A foto do ovo caipira que meu amigo vai comer. Est� l�, esperando ser quebrado. O que �? Um peda�o pequeno de uma experi�ncia de vida, uma realidade num tamanho menor, que voc� pode aumentar, se quiser. E n�o � arte que o amigo quer mostrar. � participa��o. H� pouco tempo meu amigo comeria o ovo e pronto, acabou-se o que era doce. Hoje n�o, l� est� ele, imortal. O amigo gostou do ovo, achou interessante, achou que merecia ser fotografado. � s� acionar uma m�quina, seu telefone, com certeza. N�o � um rev�lver, a m�quina tem olhos amorosos, nost�lgicos, quase sempre. O momento se congela, e se pode voltar a ele, quero ver meu ovo outra vez, j� tomou caf�, j� comeu o ovo, mas pode v�-lo ainda quantas vezes quiser.
Gosto muito de coisa escrita, me confundo com imagens, mas ser� que se o amigo descrevesse o ovo eu o entenderia t�o bem? Qual a melhor tradu��o do ovo? Tr�s mil e seiscentos toques explicariam t�o bem seu ovo caipira? Ou aquela foto simples, calma, de um ovo caipira, caipira, basta?
Logo abaixo uma foto do ovo j� frito. Desconfio que meu amigo n�o est� triste. Ele se deu ao trabalho de pegar sua melhor frigideira, quebrar um ovo com cuidado e fotograf�-lo para dividir sua experi�ncia comigo e com os outros. Ser� esse um gesto narc�sico? Acho que n�o, s� confirmou a realidade, ele acha gra�a no mundo, quis replic�-lo, s� isso.
Fritar um ovo n�o traz consequ�ncias, n�o tem import�ncia nenhuma? Tem sim, muito mais do que se pensa. S� porque meu amigo fotografou o ovo ele cobrou import�ncia. Todo momento tem sua gra�a, todo bicho rasteiro sua nobreza. Fotografar um ovo caipira � redimi-lo de sua humildade marrom, caseira, pobre. Um ovo sem passado, sem futuro, simplesmente um ovo, com clara e gema, para sempre.
Meu amigo poderia ter fotografado um ovo recheado de trufas? Poderia, por que n�o? Foi a Paris, o hotel era o melhor dos hot�is, mas n�o existiria diferen�a nas fotos. Um ovo � um ovo. Nas duas fotos o amigo p�e respeito e rever�ncia? Ent�o s�o duas fotos iguais em import�ncia.
A beleza � inerente ao ovo ou n�s temos que ach�-la? N�o sei, uma revolu��o poderia dar outra hist�ria e significado ao ovo? Revolu��es mudam imagens, mas o ovo nunca fica obsoleto.
Fico em d�vida frente ao Face, se meu amigo tivesse escolhido uma vagem seria t�o linda quanto o ovo? Deveria ter assinado Clarice Lispector para dar maior import�ncia ao ovo? N�o sei. S� cliquei, curti, "liked".
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