Nicolás José Isola

Filósofo, mestre em Educação, doutor em Ciências Sociais, coach executivo e consultor em storytelling.

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Descrição de chapéu mercado de trabalho

A repetição da nossa sombra

Qualquer pessoa que tente evoluir encontrará que as pedras internas com as quais tropeça são muitas vezes as mesmas

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João tem 40 anos e de novo quer ir embora do seu novo trabalho. Como em todos os trabalhos anteriores, ele acha que as pessoas lá são conflitivas e não estão dispostas. Sempre o problema são os outros para João.

Mariana tem 32 anos e de novo ficou envolvida num relacionamento tóxico com um cara de maus hábitos. Ela não sabe como sair dali. É a quinta situação similar que vive. Ela sente que escolhe relacionamentos caóticos.

Pedro tem 56 anos e desde criança sempre fica a total disposição de seus pais que manipulam ele. Recriminam-no por abandoná-los e por não se importar em saber como eles estão. Tudo mentira. Pedro cuida muito deles, porém não sabe como sair dessa dinâmica circular naquele vínculo que lhe gera culpa e que muitas vezes o impede de procurar seus próprios projetos e a própria felicidade.

Ilustração de funcionária negra com fadiga andando na roda do hamster, fundo da imagem é rosa
Qualquer pessoa que tente evoluir encontrará que as pedras internas com as quais tropeça são muitas vezes as mesmas - Adobe Stock

Que têm em comum João, Mariana e Pedro? A pulsão por repetição que é uma das coisas mais difíceis que temos como seres humanos. Qualquer pessoa que tente evoluir na sua vida pessoal ou profissional encontrará que as pedras internas com as quais tropeça são muitas vezes as mesmas. Pode ser a timidez, o vínculo com o pai, a desconfiança, a extrema sensibilidade, a sensação interna de solidão, etc.

Alguns temas se repetem na nossa cabeça e no nosso coração. Muitas pessoas acabam relacionamentos achando que a outra pessoa é a conflitiva. Messes depois se envolvem num novo vínculo e se encontram com que o problema ainda está ali, intacto.

As formas nas quais nos relacionamos desde crianças e nos nossos entornos familiares são constitutivas para nosso desenvolvimento pessoal. Estão grudadas no nosso comportamento mais primário e são muito difíceis de tirar de nosso dia a dia.

Isso se faz especialmente evidente a partir dos quarenta anos onde a gente já esperava ter solucionado algumas destas questões, e ainda estão ali. Latejando dentro.

Em ocasiões muitas pessoas sentem até vergonha desta repetição que não conseguem resolver. A paciência com nós mesmos é crucial neste ponto. Nossas vidas são em grande medida uma tentativa constante de resolver esses pontos repetitivos e desafiadores. Isso pode gerar uma sensação de cansaço. Isso acontece também nas dinâmicas familiares.

Os sistemas familiares geram certas lógicas intrínsecas das quais não é fácil sair. O relacionamento entre casais e entre os pais e os filhos costumam ter certas constantes que se repetem até gerar um hábito nesse relacionamento.

Muitas vezes essas dinâmicas são até mais evidentes para aqueles que estão por fora desse sistema, um tio, um vizinho, um amigo. Porque aqueles que estão dentro do sistema nem sempre conseguem enxergar as variáveis dessa dinâmica teatral que geram os atores dessa família.

Quando conseguimos descobrir essa trama, quando percebemos os fios que interconectam essa narrativa familiar, é bem mais simples compreender onde nos posicionar e o que fazer de um jeito diferente. Nesse sistema se eu continuar agindo e reagindo como sempre, então nada vai mudar. Porém, se eu modificar alguma coisa no meu comportamento, então os outros não vão conseguir continuar atuando de igual modo a como atuavam até ontem.

Sejam sistemas sociais ou sistemas individuais apreendidos, nosso crescimento interno está vinculado com as transformações que possam emergir dentro. Ali radica a nossa luminosa esperança. Porque, mesmo quando alguns tópicos se repitem, não se trata dos mesmos assuntos quanto de uma espiral que se aprofunda em conhecimento. Ainda quando pareça que estamos discutindo o mesmo, muitas vezes já tem um maior discernimento detrás e uma análise mais ampla. Há diferenças. Talvez, a insistência da repetição está nos pedindo criatividade e humildade para resolver coisas de fondo. Precisamos ser afetuosos e compassivos com nós mesmos.

A vida pode ser circular, como nossos problemas. Porém, esses problemas mudam quando conseguimos enxergá-los com valentia e coragem. A maturidade está ligada também com a aceitação de certa repetição, sem procurar soluções mágicas diante do que se repete. Também se trata de integrar o que se repete. Parte de nosso crescimento está na integração do que se repete. Nesse tendão de Aquiles está nossa zona de crescimento.

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