Hoje volto ao tema fiscal. Política econômica não se resume ao Orçamento, mas o reequilíbrio das contas públicas é condição necessária, mas não suficiente, para a retomada do desenvolvimento no Brasil.
As eleições se aproximam, e a maioria dos principais candidatos à Presidência já sinalizou que parte do ajuste fiscal virá de aumento de tributos.
Ainda há Neoliberais de Jardim de Infância, forjados nas guerras do PlayStation, bradando que "todo imposto é roubo". Isso me lembra outro polo, os Marxistas de Museu, para os quais "toda propriedade é roubo". Mas estou divagando.
Volto ao principal: ajustes fiscais bem-sucedidos tendem a combinar aumento de receita com redução de despesa, tudo em termos relativos, em percentual da renda total da economia.
Mesmo ex-defensores da "contração fiscal expansionista" já reconheceram que ajustes fiscais são recessivos no curto prazo e, mais importante, que ajustes puxados por reduções de despesas tiveram, também, medidas de aumento de receita.
Apesar de seus efeitos restritivos no curto prazo, ajustes fiscais precisam ser feitos em algumas situações, como no Brasil de hoje (acorda, PT). A questão principal é a composição, a distribuição da conta no tempo e entre grupos sociais.
No caso recente do sul europeu, houve grande variação. Segundo a consultoria LCA, 90% do ajuste na Grécia veio de aumento de receita. Em Portugal, a distribuição foi um terço na receita e dois terços no gasto. Já na Espanha, aproximadamente 40% da melhora do resultado fiscal veio da elevação de receita.
Provavelmente seguiremos algo próximo da Espanha. A maior parte do ajuste virá da redução relativa de gastos, sobretudo remuneração de servidores e Previdência Social, como já abordei em outras colunas.
Ainda assim, parte importante virá do aumento de receitas, como indica a nova e correta tentativa da equipe econômica em mudar a tributação de fundos exclusivos de investimento. Só essa medida pode gerar mais R$ 10,7 bilhões em 2019, mas vários defensores do governo ainda não se manifestaram sobre isso, talvez por medo de desagradar ao mercado.
Como disse Upton Sinclair, político americano do século 20: é muito difícil convencer alguém de uma coisa quando o salário dessa pessoa depende de ela não entender o que você está explicando.
Um exemplo dessa dissonância aconteceu recentemente, quando alguns colegas economistas criticaram taxar grandes heranças porque tal medida "não resolveria o problema fiscal". Trata-se de um sofisma.
Nenhuma medida sozinha resolve nosso desequilíbrio fiscal. Nem a reforma da Previdência nem a tributação de dividendos distribuídos por empresas no regime de lucro presumido. A solução virá de um conjunto de iniciativas, e, portanto, cada ação deve ser avaliada por seu mérito econômico e social.
Em um país tão desigual como o Brasil, tributar grandes heranças é justificável socialmente e ainda ajuda o reequilíbrio do Orçamento. Segundo simulações sobre o tema, tributar mais progressivamente valores de heranças que excedam R$ 5 milhões afetaria uma parcela ínfima da população e, ainda assim, poderia financiar todo o programa Farmácia Popular.
Vários países desenvolvidos têm esse tipo de tributação, há muito tempo, como indica o guia tributário anual publicado pela Ernst &Young, disponível online.
Logo, quando alguém se posicionar contra tributação de grandes heranças só "porque isso sozinho não resolve o problema fiscal", o motivo real pode ser outro: o receio de desagradar a sua patota ou, pior, a quem o financia.
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