Foi uma "queda boba" esquiando num dia de tempestade na Suíça que tirou a jornalista Mariana Becker, 50, da cobertura das primeiras corridas da Fórmula 1 de 2022, na Band. "O pessoal diz que eu sou aventureira, mas para mim é meio natural. Meu pai sempre foi assim: não tinha tempo ruim com ele", diz ela em conversa online, do país europeu, com a coluna.
Gaúcha de Porto Alegre, Mariana é conhecida pelos fãs do esporte desde 2008, quando se tornou a repórter responsável por viajar pelo mundo para mostrar os bastidores da modalidade na Globo. Em 2021, com a mudança da transmissão das corridas para a Band, ela também trocou de emissora.
Com mais espaço, viu no novo canal a sua popularidade aumentar. Em recuperação por causa do tombo que lhe rendeu um tornozelo fraturado e ligamentos rompidos, a jornalista não esteve presente no GP do Bahrein no domingo passado [20], palco da estreia da temporada da F1 deste ano.
"É bem ruim [ficar fora]. É que nem atleta que se prepara para a Olimpíada e aí tem Covid e precisa ficar em casa", compara ela, que mora em Mônaco com o marido, Jayme Brito, produtor executivo das transmissões da F1 na Band.
Mesmo de fora da reportagem, Mariana chamou a atenção dos espectadores ao receber uma mensagem do piloto Lewis Hamilton, da Mercedes. "Espero que ela esteja bem, mande meu carinho para ela", disse ele ao repórter Felipe Kieling, que substitui a jornalista.
"Eu achei ele um querido. Não só de ter se mostrado preocupado, como de ter mandado lembranças", afirma. "No final, guria, nós estamos todos juntos lá. Dias e dias, meses e meses, anos e anos", afirma. Também se solidarizaram com a jornalista Danny Lowe, gerente da Williams, e Gunther Steiner, chefe de equipe da Haas.
"Os caras passam sufoco, nós estamos lá contando a história. Os caras ganham, nós estamos lá contando a história. Os caras ficam doentes, os caras se recuperam, os caras assinam contrato, são demitidos. A vida dos caras está rolando ali, e nós estamos juntos o todo o tempo", explica.
Por mais que não seja amiga dos pilotos, no sentido de saírem juntos, Mariana diz que existe um clima de empatia entre eles. "Quem tem coração se identifica com o outro."
A jornalista lembra de quando o pai do piloto Jenson Button morreu, e ela se solidarizou com o profissional. "Depois da entrevista, eu segurei ele e falei: ‘Eu sinto muito. Eu adorava o seu pai, ele era um cara muito legal’. Porque realmente nós pegamos muitos voos juntos e ele [John Button, que acompanhava o filho em diversas viagens] me contava um monte de piadas, era super divertido", afirma.
Mariana diz ser necessário, em alguns momentos, sair do protocolo profissional e se mostrar humana. "Eu sempre vou ficar com pena quando o cara se ferrar horrores, e vou ficar feliz quando ele se superar. É humano, você sente".
Mas ter essa postura, reforça, não a impede de realizar o seu trabalho. "Há uma relação de empatia, mas [o piloto] não vai deixar de me cortar se ele precisar me cortar, e eu não vou deixar de perguntar para ele o que eu tenho de perguntar", salienta.
E é ela quem agora passa por um momento difícil. Além da fratura no tornozelo, Mariana perdeu o pai há duas semanas. José Alberto Becker tinha Alzheimer. "É um chacoalhão", emociona-se. "É uma fase que, por mais adulto que a gente seja, na hora H você volta a ter cinco anos e diz: não, eu não quero."
Era com o pai que a jornalista, na infância, assistia a diferentes competições esportivas, como as corridas de Fórmula 1, sentados na sala de casa, de mãos dadas. "Um programa tão comum entre pais e filhos no Brasil", comenta.
Mas a modalidade naquela época não era uma paixão nem um sonho. Foi só quando competiu no Rally dos Sertões, no início dos anos 2000, que o automobilismo passou a fasciná-la. Em 2008, já repórter esportiva experiente na Globo, surgiu a oportunidade de trabalhar com a Fórmula 1. A emissora buscava um rosto feminino para a cobertura. Mariana era o nome indicado: tinha disponibilidade e gostava de viajar, além de falar cinco idiomas.
O início, recorda ela, foi muito difícil. "Eu estudava como uma louca e era super estressada nas primeiras vezes. Mas estava num momento que tinha que me entregar. Não podia chegar lá e fracassar. A Seleção Brasileira e a F1 eram os dois dos produtos mais nobres da Globo", diz.
"E ainda tinha que enfrentar Galvão [Bueno], Regi [Reginaldo Leme], aqueles caras que estavam lá há 500 anos [narrando e comentando as corridas], acostumados com repórteres homens dizendo para eles o que acontecia na pista, e não com uma guria que chegou e disse: ‘Fulano está com problema hidráulico’. E eles: ‘Ah, mas está mesmo’?", relembra, aos risos. "Não foi mole, não. Mas foi um baita aprendizado".
Situações de machismo foram comuns em sua trajetória, revela Mariana. Não de assédio, complementa. "Mas ouvi coisas como, ‘você é loira de olho verde, claro que ele vai falar com você’. Aí eu pensava: estou trabalhando há um tempão, ralando, estudando, encontrando o meu jeito de entrevistar as pessoas. E quando eu consigo tudo se reduz a um ‘porque eu sou loira de olho verde’. Isso me irritava profundamente", afirma.
"Ou então você dar uma informação grande, importante, e a pessoa dizer assim: ‘Mas quem te disse isso? De onde você tirou?’", relata. Com o tempo, ela afirma que foi aprendendo a lidar com essas situações, sabendo em que momentos deveria reagir e quando era melhor ignorar.
Pioneira como repórter de TV na Fórmula 1 no Brasil, Mariana diz se sentir honrada por ser uma referência para outras jovens que mandam mensagens para ela pelas redes sociais pedindo dicas e conselhos. "O que eu tento sempre é ‘pregar’ a parceria feminina. Quando nos juntamos temos uma voz mais alta", defende.
A jornalista completará 51 anos no final de abril. E afirma não ter problemas em envelhecer. Não faz questão de esconder os fios grisalhos e diz também não se incomodar com comentários que já recebeu nas redes de pessoas a aconselhando a aplicar botox.
"Me preocupar com isso seria uma batalha perdida. Posso fazer uma coisa ou outra [procedimentos estéticos], mas nunca vou voltar a ter 20 anos. Nunca", enfatiza.
Ela aponta que o universo da TV sempre valorizou a aparência dos profissionais. "Mas acho que isso está mudando", observa. Como repórter, Mariana diz que não sentiu até o momento uma pressão por causa da idade, embora já tenha ouvido comentários preconceituosos.
"Um antigo chefe meu disse uma vez: ‘Eu era pequeno e já via você na TV’ e acrescentou algo querendo dizer que já estava chegando a hora [de eu me aposentar]. Eu olhava e pensava: que papinho mole. Não ouço esse cara falar nada para uma galera [profissionais homens] bem mais velha que eu. Sem contar que ele tem a minha idade", afirma.
"É de uma burrice atroz você abrir mão de alguém porque a pessoa está envelhecendo. A mulher, né, porque o homem está sempre bacaninha", completa.
Em 14 anos na Fórmula 1, Mariana diz viver atualmente o momento mais prazeroso da carreira por ter mais espaço na Band para mostrar tudo o que sempre quis. "É como se me dessem mais lápis de cor para colorir."
Uma de suas grandes alegrias foi a cobertura do GP de São Paulo de F1 do ano passado. O inglês Lewis Hamilton saiu da décima posição para vencer a etapa brasileira da competição. Com a exibição da prova, a Band chegou a liderar a audiência em São Paulo por uma hora, batendo a Globo. "Foi uma grande corrida e uma transmissão quase impecável, porque o perfeito não existe", afirma ela.
Para a jornalista, mesmo sem brasileiros correndo na Fórmula 1 nos últimos anos, o país segue apaixonado pelo esporte que aprendeu a amar ao acompanhar "uma geração atrás da outra de grandes pilotos", como Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet, Ayrton Senna, Rubinho Barrichello e Felipe Massa.
"Claro que, se tiver um brasileiro, a audiência vai explodir. Mas o público gosta daquilo ali. E o papel da gente é tentar contar isso da melhor forma possível."
Mariana diz que não costuma fazer planos de longo prazo, mas ao menos pelos próximos anos deseja seguir acompanhando a modalidade. Por causa da lesão no tornozelo, ela ficará de fora da transmissão in loco da corrida deste domingo (27), no GP da Arábia Saudita, e das outras duas provas, na Austrália e em Ímola, ambas em abril.
"O que é apaixonante sendo repórter é poder chegar pertinho do que está acontecendo. A pessoa que faz a história, você vai lá e fala com ela. Não é ninguém que está te contando, é você que está lá. Isso é um troço totalmente fascinante", finaliza.
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