Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Sou parada meio indigesta, diz Alcione sobre quando ouve insultos racistas

Marrom, que já foi expulsa de um clube por ser negra, diz que encerrou sua rusga com Sérgio Camargo, pediu a Anitta e Ludmila que se reconciliassem e afirma que adora lives, mas prefere o zóio no zóio

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A cantora Alcione em show no Rio de Janeiro antes da pandemia de Covid-19

A cantora Alcione em show no Rio de Janeiro antes da pandemia de Covid-19 Marcos Hermes/Divulgação

Alcione tem se divertido fazendo lives. “No começo, eu estava com preguiça, mas depois gostei”, diz a cantora de 72 anos também chamada de Marrom. “Mata um pouco a saudade do palco”, segue a maranhense, que desde o início do isolamento de prevenção à Covid-19 já esteve em dez transmissões do tipo, sendo quatro dela própria e seis como convidada. “A gente precisa preencher a cabeça, porque é muito tempo sem sair de casa”, afirma.

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Reclusa desde o início da pandemia no Brasil, ela diz só ter deixado sua residência, na Barra da Tijuca, no Rio, em três ocasiões: para tomar vacina de gripe (“no carro, porque tá sinistro aí fora”), para ir ao dentista e para cantar em uma live ao pé do Cristo Redentor —que teve o local alterado de última hora devido a um “vento de 90 km/h derrubando tudo”.

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No dia 15 de agosto, a artista apresentará ao vivo pela internet o show do seu disco de samba “Tijolo por Tijolo”, lançado em maio. Trata-se do 42º álbum da carreira dela e o primeiro com músicas inéditas em sete anos. Para este novo trabalho, diz ter recebido mais de 250 composições para avaliar. A maioria delas, por WhatsApp.

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“Meu serviço, antes de fazer disco, é escutar música”, diz Alcione, que mostrou o material recebido para pessoas próximas antes de fazer a seleção final. “Gosto que todo mundo me dê palpite”, afirma a intérprete de “Não Deixe o Samba Morrer”, canção icônica do seu primeiro álbum, “A Voz do Samba” (1975), cuja letra praticamente caiu no seu colo.

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“Eu me apresentava na noite [no Rio, na década de 1970] quando uma menina chegou e cantou [‘Não Deixe…’]. Falei: ‘Onde você achou essa música?’ Ela: ‘São de dois amigos meus baianos, mas o meu produtor falou que não é muito comercial’. Eu estava para gravar o meu disco, levei, e pronto, não teve outro jeito, teve que fazer sucesso”, lembra a cantora.

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Foi em uma live em junho que Alcione chamou o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, de “zé ninguém” e falou: “ainda dou na cara dele, para ele parar de ser um sem noção”. Ela comentava um áudio no qual Camargo diz que o movimento negro é uma “escória maldita”. Em resposta, Camargo chamou a cantora de “barraqueira” e sua música, de “insuportável”. Marrom recebeu o apoio de artistas como Chico Buarque.

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Hoje, Alcione não quer mais comentar sobre o assunto. “Depois que [o compositor] Altay Veloso me defendeu com aquela poesia, não tenho mais o que falar”, afirma ela sobre um texto do autor endereçado a Camargo que diz: ‘Moço, recolha a sua espada. O seu gesto é bizarro.” “Quem tem amigo poeta não precisa falar mais nada. É ou não é?”, emenda.

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Sobre o presidente Jair Bolsonaro, de quem Alcione cobrou respeito ao povo do Nordeste em 2019 e sobre quem ela afirmou ter “vergonha de chamar a atenção de um senhor”, Marrom diz ter torcido para que ele ficasse bom [da Covid-19] “e que o Brasil cresça e o mundo vá pra frente”. “Não tenho ódio de ninguém. Pelo contrário, a gente tem que torcer pelo país.

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"Tenho ficado na minha, não gosto de blá-blá-blá. Quando entro na internet, é pra falar.”

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A cantora lamenta o descaso com que o setor cultural no país vem sendo tratado. “Parece que, se o feijão e o arroz ficam caros, se a Covid chegou, é tudo culpa da cultura”, diz. “Ela é o maior lobby que um país pode ter, e o Brasil ainda não soube se aproveitar dessa riqueza.”

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Alcione conversou com a coluna em uma tarde de quarta-feira por telefone. Não quis fazer videochamada. “Eu ia ter que me arrumar toda, ficar bonitinha, né, colega?”, brinca ela. “Sempre gostei de andar direitinha, de uma boa maquiagem, unha bem pintada”, segue a maranhense, que está solteira. “Mas também não estou na pista para negócios [risos].”

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“É muito bom a gente gostar de alguém, ter alguém para dormir, abraçar. Mas quando não dá mais, não deu”, diz. “Já estive casada umas três vezes. Nunca fui uma pessoa fácil. E como eu já tinha essa educação de ‘não deu, tchau e bênção’, não gosto de ficar encompridando conversa. Sou feliz assim”, afirma ela, que diz manter a amizade com as pessoas com quem se relacionou.

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“Já vim do Maranhão emancipada. Minha mãe, quando lavava roupa pra fora e passava, era pra não depender só do dinheiro do meu pai. Ela ajudou a nos criar”, conta. “E meu pai dizia: ‘Minha filha, é você que tem que mandar ele [seu parceiro] ir embora da sua casa [risos].”

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Foi o pai, João Carlos, quem a introduziu na música. “Ele era mestre de banda militar, me ensinou a ler partitura e também a tocar”, diz. “Mas queria que eu fosse professora . Me formei e ensinei dois anos [no primário] no Maranhão”, lembra.

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“Só que nunca tive paciência com aluno mal educado. Até porque lá em casa nós sabemos respeitar as pessoas. Para eles [estudantes] fazerem silêncio, pediam em troca que eu tocasse e cantasse. Levei o trompete um dia para a escola e o diretor me expulsou porque eu tinha tocado e ecoou pelo colégio todo! [risos].”

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Alcione tem nove irmãos do mesmo pai e mãe —e outros nove nascidos de relacionamentos dele “com outras senhoras”. “Convivo com todos”, conta. A mãe, dona Felipa, inclusive ajudou a cuidar de uma das filhas de seu João Carlos com outra mulher. “A mãe dessa menina estava sem leite, e a minha mãe ia lá todo dia amamentar a pequena. Elas [as duas mulheres] morreram amigas”, lembra.

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A cantora não tem filhos. “Não arrumei tempo. Viajei muito nessa vida. Quem está com criança tem que ter responsabilidade”, diz. “É igual leite: olhou pro lado, ferve. Eles não são de confiança [risos]”, brinca ela, que é “enlouquecida” pelos sobrinhos netos. “Não sei viver sem os meus bichinhos”, diz.

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Marrom acha ótimo que o debate sobre racismo esteja em evidência. “As pessoas ainda não aceitaram que esse é um país de negros”, diz. “Acho muito triste que ainda nesse século você tenha que se deparar com esse tipo de coisa [preconceito racial]”, emenda ela.

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“Uma vez pediram para a gente sair de um clube porque nós éramos negros. Isso no Brasil. Disse: ‘Não acredito’. Tive que rir. Outra vez, fui convidada para ir a uma conferência da minha gravadora. Eu tinha vindo de Paris, até botei um figurino bonito. Quando cheguei na portaria do hotel, um cliente que estava lá falou: ‘Chegou o navio negreiro’”, conta.

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“Como um homem tem coragem de dizer um negócio desse pra mim? Tem gente que não tem vergonha. Respondi uma coisa que não quero repetir para você e peguei um cinzeiro pra tacar logo na cara dele caso ele se aborrecesse muito, né?”, lembra ela.

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“Agora pra mim não mandam mais [comentários preconceituosos]. Eu sou parada meio indigesta, meu filho. Naquela época eu devia ter uns 30, 35 anos. Agora tenho 72. Não gosto mais dessas confianças comigo. Hoje sabem que tenho cara de tambor que amanhece, que o couro não fura. [risos].”

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Recentemente, Alcione manifestou apoio a Ludmilla depois que cantora foi vítima de ataques racistas na internet. Marrom diz também já ter enviado mensagens diretas para ela e Anitta por conta de farpas que as duas trocaram recentemente. “Gosto de ambas. Mandei recado para elas pararem de brigar. São talentosas e precisam olhar para a frente.”

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Marrom diz que é uma pessoa de espiritualidade. “Acredito em Deus. E também sou da umbanda. Creio que entre o céu e a terra existem mais coisas do que avião de carreira”, diz ela, que se consultou com um médico e médium que incorporava a figura que no espiritismo é conhecida como Dr. Fritz.

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“Eu tinha um edema nas cordas vocais e não podia mais cantar. Fui pra lá e me operei [com dr. Fritz] em Recife. Ele mandou eu ficar três dias calada. Até o meu remédio ele escreveu em alemão, aí traduziram e mandei comprar na farmácia. Depois disso, ganhei mais 18 discos de ouro.”

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Ela é otimista quanto ao futuro. “Não é possível que não saia dessa pandemia uma sociedade melhor. Porque nada acontece sem a vontade de Deus, então essa Covid-19 não veio à toa. Ela há de ir embora e deixar um aprendizado para todo mundo”, avalia.

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​E as lives devem ficar para trás quando tudo isso passar. “Prefiro show presencial. Como diz [a cantora] Zélia Duncan, zóio no zóio [risos].” “Eu gosto do abraço. Ele tem um poder muito grande, espiritual, né? No entanto, não podemos abraçar ninguém agora. Isso faz tanta falta! Mas [quando a pandemia for superada] a gente vai querer abraçar melhor.”

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