Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Se o ator não está na novela, falam que está sumido', diz Luciana Vendramini

Aos 47 anos e de volta à Globo, atriz fala sobre TOC e assédio: 'Quem tem boca fala o que quer, né?'

Retrato da atriz Luciana Vendramini no topo do prédio do MAC USP, na zona sul de São Paulo
Retrato da atriz Luciana Vendramini no topo do prédio do MAC USP, na zona sul de São Paulo - Eduardo Anizelli/Folhapress
Bruno B. Soraggi

Aos 17 anos, Luciana Vendramini causou furor quando apareceu nua num ensaio da revista Playboy, em 1987. 

 

Hoje, aos 47, a atriz se prepara para retornar às telas da TV Globo na novela “Espelho da Vida”, que estreia em setembro.

 

Vendramini nasceu em Jaú (SP), se formou em balé, virou estrela da televisão, fez cinema e teatro, enfrentou e venceu o TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo) e agora interpretará, na nova trama, a personagem Solange —uma atriz que não aceita o envelhecimento. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista que ela concedeu à Folha.

ENVELHECER

Não tenho medo. Se tiver, ou você morre ou vai ficar toda espichada. Não. Eu quero viver muito, envelhecer. A velhice tem uma beleza maravilhosa. Acredito que deve ser difícil quando começa a cair a coisa. Eu ainda não vi cair nada em mim [risos], mas não sei como vai ser. Espero que tenha muita sabedoria. E que não me estrague.

SER MÃE

Eu amo criança. Sou um pouco mãe dos meus sobrinhos. Mas nunca organizei para que isso [engravidar] aconteça, como muita gente planeja e quer. E eu estou feliz. Super feliz.

 

Se acontecer de eu ficar grávida, vou ter [o filho]. Não faria um aborto jamais. Sou a favor de a pessoa ter o livre arbítrio de escolher, mas não faria.

 

Quando eu comecei a trabalhar [aos 14 anos] eu falava que eu ia ser uma mulher independente, que eu não ia ter filhos. Que eu ia ser do mundo. Olha, aquilo que você desejou muito na infância um dia você vai se tornar. Cuidado, porque acontece. E eu desejei muito ser atriz, fazer balé e ser livre, sabe? E é o que está acontecendo comigo. Estou sendo isso.

RETORNO A UM FOLHETIM

Novela é uma adrenalina. Eu estava com saudade. Tudo bem que andei trabalhando em outras coisas, mas é diferente do teatro ou do cinema. A novela é uma, duas tomadas, e já valeu, troca de roupa, próxima cena. Vejo como um grande exercício de improviso até. É frenético. E é fantástico. E, no Brasil, a novela é Hollywood.

 

Para o público, a gente está trabalhando quando estamos em uma novela. Ou dizem que a gente está sumida. E acho isso normal, porque estamos em um país em que a cultura ficou para a elite. Quem paga R$ 200 para ir ao teatro? O cinema é caro. Então o acesso é a TV aberta. Por isso é importante o ator, volta e meia, fazer televisão. Mas tem quem não goste, e há vida fora dela.

 

BEIJO GAY

[Luciana Vendramini protagonizou uma cena de beijo entre duas mulheres no folhetim ‘Amor e Revolução’, do SBT, em 2011, que foi apontada como o primeiro beijo homossexual em novelas brasileiras]. O primeiro beijo gay [na TV] foi o da Vida Alves e da Geórgia Gomide [na década de 1960]. Pelo fato de não ter sido registrado, não constava. Mas o mérito é todo delas. 

 

Tem que ver isso com naturalidade. Por que quando duas pessoas estão brigando a gente não se incomoda, mas quando estão se beijando todo mundo para pra olhar? Cara, é amor. Acho que isso é uma evolução humana. A gente um dia vai ver essa forma de amor de um jeito muito mais belo, sem preconceito.

TOC

Eu falo sem medo de ficar estigmatizada, como já tive. Não tem que ter tabu.

 

Eu tive uma inflexão existencial. Quando fui diagnosticada, não sabia o que era TOC. Eu queria uma resposta exata [sobre o que estava acontecendo com ela]. Essa resposta não vem e não virá nunca.

 

Ele [TOC] estilhaça a sua vida. E para mim ficou muito extremo. Tem que querer superar. A superação é a coisa mais importante da caminhada de quem tem um problema psicológico, que é muito sofrido, e às vezes solitário, porque você tem vergonha de contar e medo de ser julgada. 

 

O que atrapalhou o meu tratamento foi um fato pessoal: eu não aceitava o remédio. Sou naturalista, não bebo, não fumo. Falei: ‘Não vou tomar remédio. Vai mudar minha personalidade, minha lucidez’. Eu tinha essa fantasia errada. E isso esticou o meu sofrimento.

 

Parece que eu vivi 30 vidas. A gente sabe que tem dois braços, duas pernas. Mas a mente, ninguém sabe o que ela pode nos pregar, entendeu? Você pode virar a esquina e ter um medo súbito e achar que vai morrer. Pronto, ali começa o pânico. E isso aconteceu comigo. 

 

Mas eu me conheci, me fortaleci, e hoje eu faço somente o que eu quero. A minha peneira mudou. 

 

Quando a perna quebra ninguém tem vergonha, mas de uma doença psicológica tem que ter?

POSAR NUA AOS 17

Eu fiz num atrevimento [referindo-se às fotos que tirou para a revista Playboy quando tinha 17 anos. Estava morando no Rio já fazia um ano, e me achava uma garota super moderna. Mas eu era uma caipira de Jaú, tímida, virgem.

 

Sempre sofri bullying na escola, porque era magrela, branquela. Não me achava bonitinha. Então quando veio o convite, falei: ‘Gente, quem tá achando que sou esse mulherão? [risos]’. 

 

Eu era emancipada. Mas não fazia nada sem conversar com os meus pais. Eles deixaram para eu decidir. E foi aquele estrondo, aquela maluquice toda que aconteceu, que nunca imaginei. Até tinha fotos em que eu estava chorando porque no meio do ensaio não quis mais fazer, fiquei tímida. Eu me tornei muito mais fechada. Achei que todo mundo estava me vendo pelada quando eu ia para os lugares, sabe? 

 

Hoje vejo com maior naturalidade. Mas se fosse uma filha minha eu não deixaria [posar sendo menor]. Só se ela quisesse, e se a gente tivesse um bom diálogo, né?

 

ANOS 1980

Não tinha esse politicamente correto. Você vê as chacretes. Eu era pequena, tinha dez anos, e imitava a Rita Cadillac. Para a minha avó! Tem coisa mais ingênua do que isso? Ela ria, eu morria de rir. Eu rebolava que nem a Gretchen. Não tinha maldade, tinha diversão. 

 

Acho que hoje o mundo ficou muito chato. Até o ‘oi’ que você vai dar tem que tomar cuidado porque a pessoa pode te processar por assédio.

ASSÉDIO

Graças a Deus nunca tive [uma experiência em que ela foi assediada sexualmente]. Acho importante, sim, as pessoas falarem [sobre abusos do tipo], mas acho também que tem que ter cuidado. Por que ressuscitar uma história de 20 anos atrás e voltar à tona hoje? 

 

Essa história do Kevin Spacey [em 2017, o ator Anthony Rapp acusou Spacey de abuso sexual nos anos 1980, quando Rapp tinha 14 anos]. Poxa. Vai prejudicar o cara com uma história banal dessa? Vamos começar a falar de agora. 

 

Assédio é complicado? É. É uma falta de respeito absurda com o próximo, com o ser humano. Não pode permitir de forma alguma. Mas a gente tem que tomar cuidado também. Porque hoje quem tem boca fala o que quer, né?

FEMINISTA

Não gosto de rótulo nenhum. Acho que te enquadra, te engessa. A gente veio para esse mundo livre. E a gente tem que ser livre. Não tem que ter ninguém te podando sobre o que você deve falar, o que deve ser e quem deve amar. A pessoa tem que ir em busca da felicidade. É assim que eu lido. 

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