Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu Corpo

O inferno são os vizinhos

O barulho é recordista dos conflitos, brigas e litígios entre vizinhos

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O que vocês fazem quando são invadidos por barulhos insuportáveis dos vizinhos do apartamento de cima que insistem em andar de salto, especialmente de madrugada? E quando vocês querem dormir e os moradores do andar de baixo assistem à televisão ou ouvem música com um volume altíssimo? Ou quando estão lendo e a vizinha está na janela falando ao celular com uma voz alta, esganiçada e irritante? Como vocês suportam cachorros latindo sem parar e as obras intermináveis do apartamento ao lado?

Brigas violentas entre vizinhos por causa do barulho são muito comuns. Lembro-me que, em 2013, um empresário de 62 anos, irritado com o barulho que os vizinhos faziam, matou o casal que morava no andar de cima. Depois disso, ele se suicidou.

Mas a maioria dos brasileiros sofre silenciosamente, como é o meu caso. De um lado, por vergonha de reclamar e ser xingada de velha neurótica, como já aconteceu. De outro, por saber que não vai adiantar nada, como nas inúmeras vezes que tentei conversar educadamente com os vizinhos.

Mulher bate no teto de seu apartamento com a vassoura para avisar o vizinho de cima que o barulho está incomodando
Uma forma comum de avisar o vizinho de cima que o barulho está incomodando é bater no teto com a vassoura - Ze Carlos Barretta - 1º.mar.13/Folhapress

Há seis meses o apartamento do andar de baixo foi alugado para uma família extremamente barulhenta e desrespeitosa. É enlouquecedor escutar os móveis sendo arrastados no meio da noite, as brigas e as discussões constantes.

Lembrei-me de que, quando eu era menina, minha mãe costumava bater com o cabo de vassoura no teto até os moradores do andar de cima pararem de fazer barulho. Enquanto eles não paravam, ela ficava batendo o cabo de vassoura com força no teto.

Ter uma vida familiar equilibrada e saudável não depende só de nós. Depende (e muito) do respeito, do bom senso e da educação dos vizinhos. Bem embaixo do meu escritório, onde estou escrevendo agora para vocês, os vizinhos estão gritando com as crianças que estão jogando futebol na sala.

Para conseguir trabalhar, passo o dia inteiro com um fone ouvindo um barulho de ventilador do vídeo "Dormir tranquilo. Barulho do ventilador. Bom sono", que tem mais de 3 milhões e 500 mil visualizações no YouTube. Lendo um dos 700 comentários sobre o vídeo, percebi que não estou sozinha no meu sofrimento.

"Muito obrigada para quem fez esse vídeo de ventilador. É a única forma de abafar a voz alta, aguda e desagradável da minha vizinha inconveniente. Ela adora uma festinha barulhenta no meio da semana. Ignora que tem gente que estuda e trabalha. Parece que sente um prazer sádico em me torturar. É desesperador. Socorro!"

Agora vem o pior da história: domingo, 2 de outubro, eu e meu marido pegamos o elevador junto com os vizinhos. Vestidos de verde e amarelo, com a bandeira brasileira amarrada no pescoço, eles não pararam de falar um só segundo durante a viagem de 20 andares.

"Ninguém aqui em casa se vacinou. Vocês acham mesmo que morreram 700 mil pessoas de Covid? É tudo fake news. Foi só uma gripezinha que matou alguns velhinhos que iriam morrer mesmo, mais cedo ou mais tarde. Vai ser até bom para a Previdência".

Resultado: apesar de termos sido muito felizes no nosso lar desde que nos casamos, estamos pensando seriamente em procurar um outro lugar para morar. Sabemos que não será nada fácil conviver com vizinhos tão desrespeitosos e barulhentos, e, pior ainda, sem a menor empatia e compaixão com a dor de quem perdeu seus entes mais queridos na pandemia.

Outro dia descobri que logorreia ou logomania é um transtorno comunicativo em que a pessoa fala compulsivamente, sem pausas, interrompe a fala dos outros, e não tem o menor interesse e atenção pelo o que os outros falam. Costumava chamar isso de verborragia, mas agora, sofrendo com vizinhos tão desagradáveis e odientos, acho mais adequado chamar de diarreia verbal: além de falar compulsivamente, eles só falam merda.

O inferno são os outros, escreveu Jean-Paul Sartre. A verdade, meus queridos leitores e leitoras, é que estou com uma ressaca cívica e emocional tão profunda que não estou conseguindo escrever sobre a tristeza, desespero e desesperança de ver um Brasil destruído pelo ódio, intolerância e ignorância. Como milhões e milhões de brasileiros só me resta gritar: Socorro!

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