Tema que tem sido repetidamente explorado pela indústria do audiovisual, a vida de comunidades judaicas ultraortodoxas voltou a aparecer com destaque no cardápio da Netflix. A novidade é que se trata de um eletrizante thriller.
"Diamantes Brutos" se passa em Antuérpia, no coração do chamado distrito dos diamantes, que por muito tempo foi dominado por judeus ortodoxos (hoje a primazia é dividida com indianos). A história gira em torno da família Wolfson, que se vê obrigada a usar métodos nada ortodoxos para manter de pé o próprio negócio.
Caso o leitor queira se ambientar no tema geral antes de mergulhar nas aventuras dos Wolfson, tenho algumas recomendações a fazer. Em primeiro lugar, "Shtisel", série em três temporadas, também da Netflix, sobre uma família de judeus ultraortodoxos em Jerusalém.
Criada em 2013 por dois israelenses, Ori Elon e Yehonatan Indursky, a série tem o grande mérito de não olhar como antropólogos para os seus estranhos personagens, mas de tentar enxergá-los como figuras tragicamente humanas.
Centrada principalmente nas visões conflitantes de um pai e um filho, "Shitsel" mergulha no cotidiano repressivo de uma comunidade temente a Deus, que ignora internet, impõe às mulheres um modo de vida submisso e não permite que os homens fujam ao destino de rezar e ensinar as lições dos livros sagrados.
Já a premiada minissérie "Nada Ortodoxa", lançada em 2020 pela Netflix, é baseada numa história real, passada no Brooklyn, em Nova York, e em Berlim, na Alemanha. É centrada na infelicidade de uma jovem de 19 anos, que não suporta o marido e a vida arranjada para ela e foge, com o apoio de uma associação que ajuda judeus ortodoxos a deixarem as suas comunidades.
A Netflix lançou, ainda, em 2017, o documentário "One of Us", que segue os passos de dois homens e uma mulher que deixaram suas comunidades no Brooklyn. Apresentados de forma mais didática do que nas séries de ficção, os relatos são ainda mais perturbadores.
A onda mais ou menos recente sobre o tema inclui também o filme "Menashe", lançado em 2017, na HBO. É igualmente ambientado no Brooklyn e gira em torno da luta de um membro da comunidade que fica viúvo ainda jovem e, por ordem do rabino, é obrigado a ceder a guarda do filho a um parente próximo. "Você acha que está num mundo livre?", pergunta o tutor do garoto ao pai inconformado.
"Diamantes Brutos" tem em comum com as demais produções o fato de ser falada predominantemente em ídiche, além de flamengo, inglês e francês. A série foi criada por dois israelenses, Rotem Shamir (diretor de "Fauda") e Yuval Yefet, e é coproduzida pela Keshet, uma das grandes produtoras de Israel.
Como tantos thrillers que agarram o espectador pelo colarinho, "Diamantes Brutos" apresenta inúmeras situações fantasiosas e inverossímeis. Faz parte da graça do negócio.
O fato de ser protagonizada por judeus ultraortodoxos é o grande diferencial. A série consegue ir além da apresentação dos hábitos estranhos e repressores de uma comunidade fervorosamente religiosa e se arrisca mais que as demais produções ao associar os seus personagens a práticas criminosas e amorais.
A exposição de judeus com comportamento dúbio e eventualmente agindo como vilões é um tema sempre sensível dentro de comunidades judaicas, pelo potencial de estimular o antissemitismo. Mas "Diamantes Brutos" se sai bem ao mostrar que as atitudes condenáveis dos personagens não têm qualquer relação com as práticas religiosas que professam. No limite, são gente como a gente.
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