Em busca de alienação, segui a recomendação de um amigo e assisti a "The Offer". Ele me alertou que a série era mais longa do que o necessário, mas fui em frente, conformado. Já virou rotina, tanto em plataformas de streaming quanto de podcast, a oferta de programas mais longos do que o necessário.
"The Offer" reconstitui a realização de "O Poderoso Chefão", um dos grandes filmes produzidos no século 20. É uma série de ficção, com atores interpretando Francis Ford Coppola, Marlon Brando, Al Pacino e uma dezena de outras figuras que entraram para a história do cinema por terem seus nomes nos letreiros do filme ou nas fofocas de bastidores que cercaram as filmagens.
Se você é daqueles que, antes de começar, olha quantos episódios formam a série e qual é a duração deles, aí vai um spoiler: são dez episódios, com cerca de 60 minutos cada. Ou seja, a história de um filme de 150 minutos será contada em 600 minutos, aproximadamente.
O segundo alerta de que pode ter algo errado em "The Offer" aparece logo no início, ainda nos créditos: "Baseado na experiência de Albert S. Ruddy em fazer 'O Poderoso Chefão'". Ou seja, a série foi construída a partir dos relatos do produtor do filme. Um terceiro complicador é o fato de ser uma produção da Paramount, o mesmo estúdio que realizou o filme, em 1972. Quer dizer, está tudo em casa.
Um fato positivo a respeito de Albert Ruddy é que ele foi um dos criadores de "Guerra, Sombra e Água Fresca", uma série cômica, ambientada num campo de prisioneiros nazista, exibida na televisão entre os anos 1960 e 1970. O produtor explica por que decidiu se aventurar pelo cinema: "A TV é muito limitante. Você não pode contar histórias reais na TV. É falso. E Marlon Brando não faz TV".
Toda a fantasiosa história da série gira em torno de Ruddy (vivido por Miles Teller). A cada cena, o herói resolve um problema. Como o livro de Mario Puzo gerou críticas de parte da comunidade ítalo-americana, o produtor promete a Joe Colombo (Giovanni Ribisi), um chefão mafioso de Nova York, que a palavra "máfia" não será citada no filme. Para conseguir alvarás de filmagem, ele garante que o personagem Johnny Fontaine, claramente inspirado em Frank Sinatra, terá sua participação reduzida no longa-metragem.
Em paralelo, Ruddy enfrenta outra organização bem articulada, mas legal: a indústria cinematográfica. A Paramount pertencia na época ao conglomerado Gulf and Western, do empresário Charles Bluhdorn (Burn Gorman). Como quase todos os personagens, ele é uma caricatura --só pensa em dinheiro e na assistente de Ruddy, a loira Bettye McCartt (Juno Temple, de "Ted Lasso").
O chefão da Gulf and Western dá ordens ao lendário Robert Evans (Mathew Goode), principal executivo do estúdio, em cuja gestão foram gerados filmes como "Bebê de Rosemary", "Love Story", "Ensina-me a Viver", "Chinatown" e tantos outros. A certa altura, Evans flagra a mulher, a atriz Ali MacGraw, na cama com Steve McQueen, e compreensivelmente perde o rumo. Quem vai salvá-lo da depressão é o herói Ruddy, que interrompe a produção do "Chefão" para visitar o chefe.
Coppola (vivido por Dan Fogler) é um dos poucos personagens críveis, diferentemente do pateticamente tímido Al Pacino (Anthony Ippolito), do glutão Puzo (Patrick Gallo) e do equilibrado Marlon Brando (Justin Chambers).
Acontece tanta coisa ao longo dos dez episódios que o espectador acaba relevando as situações rocambolescas, as más interpretações e as fragilidades do roteiro, incluindo as infinitas repetições de problemas para Ruddy resolver. É um clássico caso de programa ruim que é bom.
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