A gente estava precisando de "Pantanal" e não sabia. No ar há dois meses, a novela da Globo já é um fenômeno incontestável de audiência e, como ocorre com os melhores folhetins, está se tornando o assunto do dia nas conversas jogadas fora nas redes sociais e nas esquinas.
Dados do Kantar Ibope indicam que "Pantanal" registrou média de 31,2 pontos em São Paulo na nona semana de exibição (o equivalente a 6,4 milhões de indivíduos). A novela anterior, "Um Lugar ao Sol", nesta mesma etapa, alcançou média de 22,7 pontos (ou 4,6 milhões de pessoas).
Tenho a impressão de que "Pantanal" está despertando a curiosidade de gente nostálgica da era de ouro das novelas (décadas de 1980 e 1990), e que havia trocado os mais recentes folhetins da TV aberta pelas séries das plataformas de streaming.
O mais curioso é o fato de que a nova versão da novela do grande Benedito Ruy Barbosa, escrita por seu neto Bruno Luperi, deixou em segundo plano as cenas de nudez e sexo, um dos maiores atrativos da trama exibida pela Manchete, em 1990.
Na comparação, "Pantanal" 2022 é uma novela razoavelmente recatada e do lar. Neste tempo em que os conservadores perderam a vergonha de expor os seus preconceitos, a emissora parece entender que nem toda polêmica vale a pena.
A novela fala de um universo longínquo, uma fazenda de criação de gado no Mato Grosso do Sul, bem distante da realidade do morador dos grandes centros urbanos. Isso permite que o autor apresente de forma poética, sem causar susto ou incômodo ao espectador, personagens como o Velho do Rio, que vira uma sucuri para proteger o local.
O caso de Filó também ajuda a entender o interesse que "Pantanal" desperta. Ainda menina, vivendo em uma casa de prostituição, ela engravidou do criador de gado José Leôncio. Após 20 anos, a personagem vivida por Dira Paes se tornou uma empregada do fazendeiro, interpretado por Marcos Palmeira, e o filho que tiveram juntos tem status inferior a um outro filho dele, considerado "legítimo".
Sábia, mas servil, Filó sofre em silêncio, sem reclamar. O espectador torce por ela, mas a enxergaria de outra forma se a trama se passasse no Rio ou em São Paulo. O mesmo vale para Juma, a boa selvagem, que vira onça quando está com "reiva". Longe de ser aflitiva, a falta de traquejo social da personagem de Alanis Guillen é encantadora para quem a enxerga do outro lado da TV.
"Pantanal" também tem alcançado uma recepção consagradora, creio, por evitar se aprofundar em temas políticos, que apenas sobrevoam a novela. José Leôncio é um empresário humanista, comprometido com boas causas, que buscam evitar a completa devastação do Pantanal. Expôs a sua visão de negócios em poucas ocasiões, evitando maiores polêmicas. Parece um eleitor de Marina Silva, da Rede, e não, como seria mais plausível, de Bolsonaro.
Como mostrou esta semana uma reportagem da Folha, após ouvir 12 líderes do agronegócio, figuras como José Leôncio costumam ser bolsonaristas de carteirinha. É a possibilidade de ter armas na fazenda e a preocupação com a invasão de terras, além da defesa dos valores da família, que os aproxima do presidente. Na ausência deste tipo em "Pantanal", ele é compensado pela presença do maior vilão da trama, o grileiro Tenório, vivido por Murilo Benício.
No fundo, é melhor mesmo que "Pantanal" evite estes temas. A gente estava precisando de uma novela sem vergonha de ser novela, com ótima direção (de Rogério Gomes), lindamente fotografada, texto inteligente, elenco de primeira e música de qualidade. Uma novela que filosofa sobre o senso comum, sugere que a camaradagem supera todos os obstáculos e ensina que existe beleza na ignorância.
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