Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times

A economia global é resiliente, mas está mancando

Convergência entre países ricos e pobres está estagnada e mais desafios estão por vir

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Financial Times

Os últimos quatro anos trouxeram três grandes choques: Covid, interrupção no fornecimento pós-Covid, a invasão da Rússia à Ucrânia e os subsequentes aumentos nos preços das commodities.

Essa série de grandes choques agora acabou? O ataque mortal a Israel e o conflito em Gaza sugerem que a resposta pode ser "não". A recente turbulência nos mercados de títulos é mais uma marca da persistente falta de previsibilidade.

Assim, a análise cuidadosamente preparada e mais recente do World Economic Outlook [perspectivas econômicas mundiais] do FMI (Fundo Monetário Internacional) pode já estar um pouco desatualizada.

No entanto, é, como sempre, muito útil. O que o documento nos diz é encorajador e perturbador ao mesmo tempo. A economia mundial mostrou-se resiliente, mas o desempenho deteriorou-se a longo prazo, combinado com uma divergência no desempenho de países ricos e mais pobres em relação às expectativas.

FMI e Banco Mundial realizam reunião em Marrakech, no Marrocos
FMI e Banco Mundial realizam reunião em Marrakech, no Marrocos - Fadel Senna - 10.out.2023/AFP

Comecemos então com a resiliência. Aqui estão três desenvolvimentos encorajadores: o FMI não teve necessidade de fazer quaisquer alterações significativas em suas previsões de abril; a turbulência financeira da última primavera —com o colapso de bancos regionais dos EUA e do Credit Suisse— diminuiu; e, o mais importante, há evidências crescentes de que a inflação pode ser reduzida para a meta sem recessões.

Assim, a desinflação pode se mostrar mais "imaculada" do que eu esperava. O WEO observa que os mercados de trabalho permanecem fortes em muitos países de alta renda, sem evidências de "espirais salário-preço".

Há também evidências de "compressão salarial", com salários mais baixos aumentando em relação aos mais altos. O WEO sugere que isso pode ser devido ao valor de comodidade do trabalho flexível e remoto para trabalhadores qualificados —estes estão dispostos a trabalhar em casa por salários mais baixos.

No entanto, ainda existem riscos significativos a curto prazo. Um deles é que a crise imobiliária na China se agrave. Outro é a possibilidade de maior volatilidade nos preços das commodities. Outro é que o consumo enfraquece à medida que as poupanças da era Covid se esgotem, especialmente nos EUA. Outro é que a inflação se mostra mais resiliente do que o esperado —o fato de parecer possível reduzir a inflação sem uma recessão não é motivo para abandonar o esforço prematuramente. Por fim, a política fiscal será mais restrita neste novo mundo. Não menos importante, isso significa que os países em desenvolvimento estão lutando com dívidas caras. Mais choques financeiros parecem prováveis.

Além disso, e infelizmente, resiliência não implica um bom desempenho. Assim, em 2023, a produção global será cerca de 3% menor do que o previsto antes da pandemia. Além disso, essas perdas são relativamente pequenas nos países de alta renda: nos EUA, há até mesmo um pequeno ganho.

Mas nos países emergentes e em desenvolvimento, o impacto tem sido mais adverso. Isso reflete a capacidade muito maior dos países de alta renda de lidar com choques, em comparação com os mais pobres, que não têm capacidade para criar vacinas ou tomar empréstimos a baixo custo.

Como resultado, a pandemia, a guerra na Ucrânia e os choques climáticos reverteram tendências de redução da pobreza que duravam décadas —de acordo com o Banco Mundial, até 95 milhões de pessoas a mais estavam vivendo em extrema pobreza em 2022 do que em 2019.

Esse desempenho econômico pobre e divergente precisa ser colocado em um contexto de longo prazo. O WEO observa que houve uma queda de 1,9 ponto percentual nas perspectivas de crescimento global de médio prazo de 2008 a 2023. A queda é geral. Mas é especialmente significativa para os países em desenvolvimento.

O número esperado de anos necessários para que os países emergentes e em desenvolvimento reduzam pela metade a lacuna de renda per capita em relação às economias de alta renda aumentou significativamente, de 80 anos nas projeções do WEO de abril de 2008 para cerca de 130 anos nas projeções de abril de 2023. A história positiva de convergência econômica está estagnada.

Há mais dificuldades de longo prazo pela frente. Uma delas é o clima: o mundo teve o setembro mais quente de todos os tempos no mês passado, após superar o recorde anterior em 0,5°C de forma "extraordinária".

Além disso, se as taxas de juros reais forem permanentemente mais altas, como alguns acreditam, as condições para investimento e crescimento de longo prazo também serão permanentemente piores, justamente quando é necessário um enorme aumento nos investimentos para enfrentar os desafios climáticos e os objetivos mais amplos de desenvolvimento.

A fragmentação da economia mundial, com o aumento do protecionismo e da intensa competição geopolítica, provavelmente intensificará tudo isso. No pior dos casos, as cicatrizes dos últimos anos se mostrarão não apenas irreversíveis, mas um prenúncio de um desempenho permanentemente prejudicado.

Em última análise, todos esses são problemas essencialmente políticos, o que é outra forma de dizer que eles são quase insolúveis. Temos os recursos e a tecnologia necessários para gerenciá-los. Não há motivo para tantas pessoas viverem em circunstâncias tão precárias. Também não há motivo para não enfrentarmos os desafios climáticos e ambientais.

Mas, para fazer isso, precisamos reconhecer nossos interesses comuns, a necessidade de ação coletiva e a iminência do que até recentemente eram consideradas possibilidades remotas.

Coletivamente, somos ruins em pensar e agir de maneiras sensatas e, agora mesmo, estamos piorando, como mostram o caos em Washington, as escolhas de políticas ruins na China, a guerra criminosa da Rússia na Ucrânia, a incapacidade de alcançar qualquer tipo de paz entre Israel e os palestinos e a incapacidade de evitar algumas das consequências dos recentes choques para os países pobres.

Nas reuniões anuais em Marrakech, no Marrocos, os formuladores de políticas precisam concordar com um aumento significativo nos recursos para o FMI e o Banco Mundial. Quase todo mundo sabe disso. Isso vai acontecer? É muito duvidoso. Mas deveria. Já passou da hora de a humanidade crescer um pouco.

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