Você pode escrever tudo o que pensa? É uma pergunta que escuto com frequência. Entendo que seja curiosidade natural e também muito excitante imaginar que jornalistas sejam manipulados pela direção dos veículos para dizerem só o que interesse a seus donos.
Não sei a realidade alheia, mas em sete anos como colunista deste jornal, que me faz companhia há quatro décadas, jamais fui censurada ou instigada a escrever sobre este ou aquele assunto. Até gostaria de receber sugestões, o trabalho por si só é bastante solitário.
Mas nem uma vírgula? Bem, teve um episódio. Numa coluna sobre a qualidade da água no Rio de Janeiro, pediram para que eu mudasse o título, porque já tinha "merda" demais no texto. Veja bem, pediram. Foi tão inusitado receber aquela ligação que levei uns segundos para entender. Concordei, pode tirar, claro.
O que é um "merda" para quem já cravou "vibrador", "puta" e "mamadeira de piroca" em caixa alta na página mais nobre da Folha? O que é um "merda" quando tenho liberdade para chamar presidente de idiota, de corrupto e de genocida?
Em tempos em que a liberdade de expressão é tão molestada e também usada para atacar nosso bem mais precioso, que é a nossa própria liberdade, é quase um luxo ser livre para questionar se um atleta é broxa ou mentiroso, enquadrar políticos de todos os espectros, defender aborto, falar de ressaca, drogas e sexo.
O que Clóvis Rossi diria ao ler? Sinto falta de seus emails generosos e bem-humorados. Carlos Heitor Cony falaria sobre isso? Penso neles com frequência e com reverência cada vez que enfrento a tela em branco. Nem no meu sonho mais louco, quando apenas me imaginava jornalista um dia, pensei em ocupar o mesmo espaço que já foi desses mestres. Muito menos em poder dizer tudo e do jeito que penso.
Aos leitores, obrigada pela companhia. À Folha, obrigada por tudo. Parabéns pelos 100 anos.
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