No dia 7 de setembro, envolta em eventos acadêmicos, achei tempo e desejo para escrever uma nota sobre as comemorações do dia. Fazia a análise do pueril discurso em que o sujeito demandava à massa afirmar a sua onipotência. E terminava com um basta a Bolsonaro: "Me poupe. Poupe o meu país". Recebi elogios e críticas. Agradeço ambos: me botaram para pensar, o que é sempre um prazer, e levantaram pontos que merecem atenção, sobretudo no momento atual de polarização.
As críticas eram de dois tipos. O primeiro pode ser resumido como o exercício da cartilha olavista e consiste em ofensas ao emissor da mensagem e ao exercício livre do prazer da luta, como se agora fosse permitido brigar sem limite no parquinho da escola e da vida: chupa, vai tomar no cu, chora que o choro é livre, comunista, feminista, cala a boca você, Bolsonaro 2022, não voto em ladrão, mal-amada, mal-comida etc.
Faz alguns anos que observamos isso e já fiz até uma série de vídeos chamada Táticas de Ataque, dissecando essa linguagem. Meu predileto é "Vai lavar a louça, Maria". Seria cômico se não fosse trágico, pois é essa lógica de apagamento do outro (e de destituição da legitimidade do seu lugar) que está por trás da morte de opositores. Não é surpreendente que sejam bolsonaristas os assassinos de lulistas e não o contrário.
O segundo tipo de crítica seguia a seguinte tônica: justo você que analisa o discurso de ódio não pode falar "cala a boca, Bolsonaro". Você está fazendo a mesma coisa e não é de ódio o que precisamos agora, e sim amor e esperança.
Em primeiro lugar, não sei se compactuo com a ideia de que se combate o mal com o bem ou a violência com o amor. Simplesmente porque não funciona.
E detalhe fundamental: uma coisa é ódio e outra é limite. Para além dos afetos envolvidos e inclusive manipulados com habilidade, é crucial manter a linha que marca o combinado coletivo para suportar conviver com o outro. E não se pode deixar de marcar esse limite, chamado de Lei e já com velha história tatuada na letra. Ops, aqui não. Não ultrapasse. Isso não pode ser dito, aquilo não pode ser feito. Basta. Por exemplo: comprar imóveis com dinheiro vivo é coisa do passado no mundo do Pix de capital rastreável. Cooptar toda a classe do poder é coisa do presente mas vai terminar em cadeia para alguns envolvidos em futuro próximo. Não se consegue exterminar totalmente a Lei e por todo o tempo.
Sempre volta à baila a recomendação de Lacan: não devemos oferecer análise aos canalhas. Hoje fazemos seminários para buscar distinguir perverso de canalha e delinear os manejos possíveis diante de cada estilo clínico, aos quais se somam as neuroses, as psicoses, os autismos... Eu mesma vou dar agora um curso sobre clínica e ando mergulhada até o talo no debate. Como lidar com o perverso para quem o outro é sempre um objeto de gozo? Com a lei, a educação e a consciência.
Sintetizando.
1. Seria bom saber disso e não demonizar o Outro e purificar o Eu (receita para o fracasso e os totalitarismos delirantes)
2. Seria bom não desacreditar e mesmo aprimorar a Lei e suas instituições pois essa é a melhor ideia que tivemos até agora para barrar o gozo desmedido.
3. Seria muito bom saber que os privilegiados não cairão sem resistência e vão manipular tanto os ricos, seduzindo-os para que destruam a lei que barra o gozo; os médios, cooptando-os com a miragem do privilégio que almejam; e os ingênuos, mentindo-lhes dizendo que agora a pureza venceu o mundo corrompido.
4. Seria melhor ainda aplicar a Lei para que ela barre o gozo excessivo dos poucos
5. E educar o restante, e de fato todos nós, com escola e autoconhecimento, para que não embarquemos como gaiatos em navios naufragados.
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