Diz tudo da naturalidade com que o país encara a barbárie nossa de cada dia o fato de convivermos, ano após ano, com níveis elevados de violência e descalabro na segurança pública. O assassinato dos médicos de São Paulo, no Rio, a chacina de sete membros de uma família de ciganos, na Bahia, as mais de duas dezenas de mortos durante a Operação Escudo, no Guarujá, são apenas os exemplos mais recentes dessa hecatombe.
No ano passado, informa o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 47.398 pessoas —o equivalente aproximado da população da estância paulista de Campos de Jordão— tiveram morte violenta intencional, uma taxa de pouco mais de 23 mortos por 100 mil habitantes. As forças policiais, civis e militares, foram responsáveis por 13,6% do total, em todo o país. Por suas taxas muito superiores à média nacional, Amapá, Goiás, Rio de Janeiro e Bahia destacaram-se nessa lúgubre estatística.
De Fernando Henrique a Lula, a segurança pública foi o grande fracasso dos governos progressistas, os mesmos que lograram mudanças importantes em muitas frentes: do controle da inflação à montagem de um moderno arcabouço institucional para a gestão econômica; da reforma do sistema de proteção social às políticas para reduzir a pobreza —sem esquecer da área ambiental.
Por outro lado, no período em que PSDB e PT comandaram o governo, o Brasil deixou de ser rota do tráfico para se transformar em grande mercado consumidor de drogas; as facções criminosas se multiplicaram e passaram a controlar territórios urbanos pobres; o banditismo organizado se impôs nos presídios abarrotados e se embrenhou Amazônia adentro; setores das forças da ordem foram corrompidos pelos criminosos; a circulação ilegal de armas só fez crescer, assim com as bancadas da bala, com parlamentares egressos das corporações policiais, eleitos com promessas fáceis de enfrentar o crime com desmedida violência.
Tão grave quanto isso foi a popularização do discurso público que justifica a brutalidade policial em nome do combate à insuportável violência dos criminosos. Hegemônico e eleitoralmente eficaz, já não distingue políticos opostos em tudo mais, como os governadores de São Paulo e da Bahia.
O Executivo federal acaba de atualizar o PNPS (Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social) 2021-2030. Com excesso de prioridades e escassez de recursos, o projeto é uma carta de (boas) intenções que pode, ou não, se transformar em políticas efetivas. Mas ainda está por ser travada —quanto antes, melhor— a dura batalha de ideias e valores que permita ancorar uma política de lei e ordem no respeito à dignidade humana.
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