A frase é célebre: "As notícias sobre minha morte foram muito exageradas". Foi como o escritor americano Mark Twain (1835-1910) reagiu à infundada notícia de que havia morrido.
O mesmo se aplica aos lúgubres vaticínios sobre o destino das democracias assediadas pela ascensão mundial de movimentos e governos populistas de direita ou de esquerda.
A mais conhecida das profecias do gênero consta do best-seller dos cientistas políticos Steve Levitsky e Daniel Ziblatt, "Como Morrem as Democracias". Motivo de insônia dos democratas que levam à cabeceira as ameaças ao governo representativo, o livro foi criticado com propriedade na edição da última segunda-feira desta Folha por meu colega de coluna Marcus André Melo.
De fato, estudos abrangentes têm mostrado que os populistas antes acumulam perdas do que ganhos; outros levantamentos indicam que, em escala global, não houve aumento significativo dos regimes fechados. A derrota eleitoral de Donald Trump e, depois, de seu êmulo brasileiro são exemplos recentes da resiliência dos sistemas democráticos ameaçados por governantes ostensivamente hostis a seus valores e regras.
Ainda assim, seria errado supor que nada mudou desde o fim do século 20 e o começo deste —o decênio dourado da democracia representativa. Ao contrário do que muitos imaginavam à época, a expansão do capitalismo na China fez dela potência mundial, mas não lhe trouxe abertura política —e, sim, reafirmação do autoritarismo de partido único. Em igual medida, a Rússia capitalista tornou-se uma ditadura unipessoal violenta e belicosa.
Ao mesmo tempo, cresceram movimentos antissistema em países democráticos, com significativa força eleitoral. Genericamente chamados de populistas, simpatizam com o autoritarismo e nutrem repulsa pelos valores e regras que limitam a concentração de poder no Executivo e asseguram os direitos de minorias.
No poder, investem contra as instituições que garantem a lisura da competição eleitoral, a independência do Judiciário e a liberdade de imprensa.
É o que há tempos se verifica na Venezuela, na Hungria, na Polônia e, intermitentemente, na Itália. É o que também se registra hoje em países tão diversos como Índia e Turquia, México e Israel. Sem falar no que assolou o Brasil de Bolsonaro e os Estados Unidos de Donald Trump.
A crescente envergadura do populismo autoritário até agora não alterou no mundo o balanço entre democracia e seu avesso. Mas está mudando significativamente o jogo político e obriga um sistema cuja natureza requer negociações e formação de consensos a funcionar sob o espectro da radicalização política.
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