Por onde quer que se olhe, o dano causado pelo governo Bolsonaro é incalculável: na educação, na cultura, no meio ambiente, na ciência, na saúde, na gestão da economia.
Sem rumo nem compromisso com o país, o presidente é responsável pela destruição de capacidades estatais indispensáveis a qualquer gestão passavelmente funcional. Sem falar na inédita degradação da vida pública, na consagração da grosseria, do palavrão e da truculência como instrumento político.
Depois da enésima manifestação de indiferença à dor alheia, seja ela causada pela pandemia, seja pelas enchentes, mais um ano de mandato parece a proverbial eternidade.
Ainda assim, há motivos para cauteloso otimismo. Até aqui, bem feitas as contas, as instituições e as práticas da democracia se impuseram à gana autoritária do ex-capitão. O consociativo sistema democrático brasileiro, como o denominam os cientistas políticos, tem no seu DNA vigorosos freios e contrapesos aos recursos de poder do Executivo federal.
Postos à prova, têm se mostrado aptos a exercê-los: o Congresso tirou o fôlego das pretensões mais ameaçadoras do Planalto; o Supremo Tribunal Federal bloqueou outras; na Federação revigorada, governadores e prefeitos exerceram sua autonomia para cuidar das vítimas da pandemia e assegurar a vacinação dos cidadãos ainda sadios, a despeito da sabotagem empreendida pelo Ministério da Saúde, sob o comando do presidente.
Além disso, o obscurantismo que tomou de assalto diferentes órgãos federais não impediu que parcelas da sociedade organizada, em iniciativas sem precedentes, lançassem potentes feixes de luz sobre questões que distinguem a civilização da barbárie, como o combate ao racismo e a proteção do meio ambiente.
Em ambos os casos, a discussão transbordou dos nichos tradicionais dos movimentos negros e do ambientalismo militante para se transformar em causas vigorosamente abraçadas por empresas, pela mídia e por significativos contingentes da opinião pública. Nunca o racismo tinha sido exposto em toda a sua crueza, assim como as diversas formas de degradação ambiental.
Tem razão o professor Carlos Pereira (FGV-RJ) ao ressaltar dias atrás, no jornal O Estado de S. Paulo, que o aprendizado da sociedade e das instituições políticas —por experiência própria ou importada— é crucial para a capacidade de resistência aos intentos autoritários e à imposição de visões reacionárias de mundo.
Foram três anos de áspero aprendizado. O Brasil do retrógrado autoritarismo que Bolsonaro encarna é real e ameaçador, mas também minoritário. A democracia tem tudo para virar essa página.
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