Maria Hermínia Tavares

Professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, é pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap)

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Maria Hermínia Tavares
Descrição de chapéu Eleições 2018

Proposta golpista

A PEC do voto impresso não visa aprimorar o processo eleitoral ou garantir sua integridade

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“Aceitarei totalmente os resultados desta grande e histórica eleição, se eu ganhar.” A declaração, de um cinismo atroz, data de 2016. O autor, Donald Trump, afinal vitorioso. Mas a tirada ficaria bem na boca de seu fã alçado ao Planalto e decidido a ali permanecer a qualquer custo, pelo tempo que conseguir.

Eis porque, desinteressado das questões de governo e da sorte do país devastado pela pandemia, ele está em campanha permanente para se reeleger. Nessa empreitada, entre insultos à imprensa e ofensas aos adversários, quer o que nenhuma eleição democrática garante a candidato algum: a certeza da vitória.

Não é outro o objetivo da Proposta de Emenda Constitucional 135/19, apresentada pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL) —a PEC do voto impresso. A ideia é que cada voto eletrônico gere uma cédula física, a qual, conferida pelo eleitor, seja depositada em urna indevassável. Na realidade, trata-se de pôr sob suspeita a votação eletrônica e, por tabela, a confiança nos números apurados.

Democracias podem funcionar bem sob regras muito diferentes para traduzir as preferências dos eleitores em mandatos, para definir como se constitui o Executivo, e quais suas atribuições e limites frente ao Legislativo e ao Judiciário. São compatíveis com sistemas com muitos ou poucos partidos.

Mas deixam de ser democracias quando a escolha dos representantes é falseada, permitindo que o resultado do processo seja definido de antemão. Ou, nas apropriadas palavras do cientista político Adam Przeworski, da Universidade de Nova York, a democracia é um regime em que a incerteza quanto aos resultados eleitorais é institucionalizada.

No Brasil, foi longo o caminho para proteger o ato de votar da interferência direta dos poderosos. O primeiro passo foi dado com o Código Eleitoral de 1932, que implantou o voto secreto e a Justiça Eleitoral. Secreto, mas nem tanto, enquanto candidatos puderam imprimir as próprias cédulas que entregavam aos eleitores acabrestados e que podiam ser manipuladas na apuração.

O passo seguinte foi a cédula única —fornecida pela Justiça Eleitoral— valendo para todos os pleitos a partir de 1960.

Finalmente, em 1996 entrou em cena a votação por meio eletrônico. Desde então, os brasileiros foram às urnas 11 vezes para escolher os aspirantes a todos os cargos eletivos, sem que os resultados fossem contestados.

Agora, a PEC do voto impresso não visa aprimorar o processo eleitoral ou garantir sua integridade. Serve apenas para disseminar suspeitas, criar confusão e desacreditar o mecanismo em que se arrima a democracia.

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