Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde � professor-adjunto de rela��es internacionais e pol�ticas p�blicas. Escreve �s quartas.
Vizinhos sul-americanos diminuem depend�ncia do Brasil
"O Brasil � o fulcro". Isso � o que defendia o Council on Foreign Relations, principal think-tank dos EUA em assuntos globais, quando analisava a Am�rica do Sul no in�cio da d�cada passada.
Num dos mais eloquentes textos j� produzidos por observadores internacionais sobre a import�ncia do Brasil, o "Council" convidava Washington a priorizar rela��es com Bras�lia.
Luciana Granovsky/T�lam/Xinhua | ||
Bandeiras da Argentina, da Bol�via e do Brasil lado a lado na sede da Conmebol, em Luque (Paraguai) |
"O Brasil � importante demais em tudo que pode acontecer na Am�rica do Sul para que os EUA mantenham simplesmente uma pol�tica de 'neglig�ncia benigna' ('benign neglect')".
Tal documento —intitulado "Uma Carta ao Presidente e um Memorando sobre a Pol�tica dos EUA para o Brasil"— jamais conseguiu a resposta em termos de coopera��o bilateral que o potencial das duas maiores democracias do Ocidente projeta. Muito disso, claro, n�o foi culpa do Brasil.
Essa quest�o da centralidade do Brasil em assuntos sul-americanos � �bvia —e antiga. O Brasil � da regi�o o maior ator em economia, territ�rio e popula��o.
N�o estranha assim que nossos vizinhos —e n�s pr�prios— tenhamos nos acostumados � imagem do Brasil como grande proponente de iniciativas regionais ou como fator determinante da "sorte" do subcontinente. Ou seja, para onde apontasse a "lideran�a" brasileira �quela dire��o seguiria a Am�rica do Sul.
Estivesse economicamente bem o Brasil, ben�ficos seriam os efeitos multiplicadores para toda a regi�o. Se em dificuldades, todas amargariam a "velocidade de comboio" —aquela estabelecida pelo ve�culo mais lento— ditada pela baixo desempenho do Brasil.
H� meros sete anos, quando um popular�ssimo Lula elegia sua sucessora, o quadro acima parecia confirmar-se. Mercosul, Unasul, um modelo de capitalismo de estado capaz de entregar elevado crescimento, inclus�o social e coopera��o sul-americana —todos estas dimens�es refor�avam duas no��es. Primeira, na Am�rica do Sul, a lideran�a brasileira � natural. Segunda, o que � bom para o Brasil � bom para a regi�o.
Din�micas recentes, contudo, t�m posta � prova muitas dessas certezas sul-americanas. Ningu�m mais na regi�o acha que o Brasil disp�e de "f�rmula m�gica" de crescimento com inclus�o social que possa ser alastrada para a vizinhan�a mediante geometrias de integra��o propostas por Bras�lia.
O Mercosul tem de ser reinventado. A Unasul e sua vis�o de mundo est�o relegadas � irrelev�ncia. A expans�o autom�tica pela Am�rica do Sul de nossas "campe�s nacionais", na aus�ncia da coincid�ncia ideol�gica que fomentou neg�cios na regi�o at� h� pouco, encontra-se barrada por limites or�ament�rios, empresariais e jur�dicos.
Foi-se a �poca de uma lideran�a "inercial" do Brasil em sua regi�o. Em temas como paz na Col�mbia , crise na Venezuela , investimentos na Argentina ou com�rcio exterior no Paraguai e Uruguai, o protagonismo brasileiro ter� de ser reconquistado.
Em termos de estrat�gia de inser��o internacional, Chile, Peru e Col�mbia fazem op��o preferencial pelo Pac�fico. E tal escolha s� n�o � mais pronunciada em virtude da "exce��o Trump", que promove a autoflagela��o dos interesses norte-americanos na �sia-Pac�fico e atrasa uma maior coopera��o entre os signat�rios originais do TPP.
E, claro, ningu�m almeja reproduzir a ampla latitude entre ideologia e matem�tica que permitiu a emerg�ncia da "nova matriz econ�mica" e seus efeitos devastadores sobre contas p�blicas, infla��o e emprego. Mesmo a Bol�via de Evo Morales, cuja empatia com as for�as que chefiaram o Pal�cio do Planalto de 2003 a 2015 era manifesta, jamais se afastou de ortodoxia macroecon�mica.
Tudo isso, claro, se d� em conjuntura em que tamb�m os EUA t�m seu peso relativo apequenado na regi�o e a China expande seu perfil como parceira de com�rcio e fonte exportadora de capital.
Esse v�cuo deixado pelo momento brasileiro tem sido aproveitado por nossos vizinhos de maneiras diversas. Destaco aqui apenas duas.
A Argentina de Macri vem dando passos largos rumo � estabilidade e a confian�a. O pa�s encontra-se gerido por executivos competentes e que, ainda com enormes obst�culos, se afastam de experimentalismos macroecon�micos e da dupla nacionalismo-protecionismo.
Essa onda positiva ganhou for�a nas elei��es de domingo passado e aumentam o perfil argentino na regi�o e no mundo. H� pouco improv�vel, a Argentina tem conseguido recentemente converter-se numa fonte de boas not�cias.
Outro fen�meno que merece especial refer�ncia � o Paraguai, que trafega na contram�o do Brasil. Enquanto amargamos per�odo mais longo e profundo de dificuldades econ�micas, o Paraguai cresceu de 2011 a 2016 m�dia anual de 4,5%. Dever� fechar 2017 com infla��o de 4,1%, desemprego em 5,5% e 3,6% de expans�o do PIB, segundo o FMI.
No caso paraguaio, o contraponto com o Brasil � particularmente perverso. J� que a estrutura tribut�ria do Brasil � pesada e complexa, o Paraguai abaixou al�quotas e simplificou impostos. Como a legisla��o trabalhista brasileira � uma armadilha para empregador e empregado, o Paraguai a modernizou.
Como o Brasil tornou-se antagonista � produ��o, o Paraguai a abra�ou. E parte determinante do �xito econ�mico paraguaio recente se d� em sua crescente industrializa��o.
O Paraguai, assim, alimenta-se do ambiente hostil aos neg�cios que prevalece no Brasil. Oferece alternativa aos pr�prios empreendedores brasileiros que, ademais das dificuldades internas, passam a arbitrar custos de outsourcing cada vez mais elevados na China como favor�veis � produ��o no Paraguai.
Esse conjunto de fen�menos evidencia que a Am�rica do Sul est� menos "brasildependente" —e de que n�o � mais estritamente necess�rio que a mar� brasileira se eleve para que o barco de todos os pa�ses da regi�o tamb�m suba.
O melhor caminho para que o Brasil retome sua proje��o externa, tamb�m em sua circunst�ncia geogr�fica, � p�r urgentemente sua casa pol�tico-econ�mica em ordem.
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