Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde � professor-adjunto de rela��es internacionais e pol�ticas p�blicas. Escreve �s quartas.
Tens�o Trump-Kim perturba sossego geopol�tico da China
Na frase que talvez melhor ilustre a estrat�gia de ascens�o chinesa � constela��o das grandes pot�ncias, Deng Xiaoping indicava: "esconda sua for�a; ganhe tempo".
Classicamente, argumenta-se que as rela��es internacionais se desenrolam em tr�s terrenos fundamentais: o pol�tico-militar, o da prosperidade e o campo do prest�gio, dos valores (o conhecido "soft power").
Nicolas Asfouri - 6.jul.2017/AFP | ||
Turista observa paisagem � beira do rio Yalu, que marca a fronteira entre China e Coreia do Norte |
Nesse esquema, desde que a China passou a promover reformas econ�micas pragm�ticas —"n�o importando a cor do gato, desde que ele apanhe o rato", em outra famosa formula��o de Deng— a China jogou tudo na esfera econ�mica. E, mais especificamente, no �mbito comercial.
Nenhuma aplica��o de estrat�gia de Na��o-Comerciante traz exemplo t�o eloquente quanto o chin�s.
Nos �ltimos 40 anos, a China apenas cumpriu tabela no campo pol�tico-militar e no dos valores. Buscou n�o se envolver em guerras de terceiros e pouco fez no �mbito das opera��es de paz determinadas pelo Conselho de Seguran�a da ONU.
Hoje, com a tens�o na pen�nsula coreana exacerbada pelas personalidades mercuriais de Donald Trump e Kim Jong-un, a China v�-se for�ada a abandonar sua in�rcia em �reas outras que n�o a economia.
Isso causa desgaste —e desgosto— em Pequim. As lideran�as chinesas veem-se compelidas a ter de desempenhar um papel de intermedia��o em que seus pa�s mais evita perdas do que acumula ganhos.
H� pouco que possa desagradar mais os chineses do que ter de investir ativos pol�tico-diplom�ticos em algo que n�o lhes render� crescimento econ�mico real— � o caso da Coreia do Norte como fonte de dores de cabe�a geopol�ticas.
A eleva��o da temperatura entre Washington e Pyongyang � ati�ada por declara��es inflamadas de ambas partes.
E mais: o cen�rio crescentemente plaus�vel de que talvez os norte-coreanos tenham de fato m�sseis capazes de carregar explosivos nucleares at� dom�nios americanos —seja Guam ou o Estado do Alasca faz com que os chineses sejam os "corretores indispens�veis da paz". Trata-se de fun��o que a China preferiria n�o exercer.
As reais prioridades chinesas n�o est�o no campo militar-estrat�gico. Residem na sua continuada extrovers�o econ�mica para al�m do com�rcio. Conv�m lembrar que desde 2012 a soma de suas cifras nominais de exporta��o e importa��o fazem dela a maior Na��o-Comerciante do planeta.
Muitos enxergam nessas prioridades, como � o caso do 'OBOR' (sigla em ingl�s de "One Belt, One Road", o gigantesco projeto de infraestrutura liderado pela China na Eur�sia), motiva��es geoestrat�gicas.
Mas talvez aqui, ou noutras iniciativas como a constitui��o de um banco asi�tico para infraestrutura, a principal motiva��o seja a abertura de novos campos de atua��o para empresas chinesas. Algo portanto distante de objetivos mais imediatamente pol�tico-militares.
O problema � que agora h� algo al�m do pr�prio hipertrofiado peso relativo da China nas rela��es internacionais a conclamar-lhe papel mais ativo.
O tremendo risco na sua vizinhan�a representado pela Coreia do Norte em eventual conflito militar com a maior pot�ncia mundial impede a confort�vel in�rcia geopol�tica que tem tradicionalmente caracterizado a pol�tica externa chinesa.
Se a China n�o falar duro com Kim, abrem-se flancos para que os EUA multipliquem seus questionamentos comerciais junto aos chineses.
Caso a China nada fa�a e comece um conflito em sua vizinhan�a, toda a economia global vai pisar no freio, o que seguramente Pequim n�o deseja.
E, se assistir passiva a uma proje��o militar norte-americana sobre o bizarro regime de Pyongyang, a China passa recibo de indiferen�a e ina��o numa regi�o em que Pequim considera sua inquestion�vel esfera de influ�ncia.
Em sua irresist�vel arremetida das �ltimas quatro d�cadas, evitar a fun��o de protagonista em embates no n�vel do "hard power" conferiu � China atmosfera prop�cia para privilegiar seu crescimento econ�mico.
Agora, com a nevralgia entre o esdr�xulo vizinho geogr�fico (a Coreia do Norte) e seu principal parceiro comercial e destino de investimentos (os EUA), tal sossego acabou.
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