Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde � professor-adjunto de rela��es internacionais e pol�ticas p�blicas. Escreve �s quartas.
'Outsiderismo', a nova onda pol�tica no Ocidente
Donald Trump, candidato alheio � elite democrata ou republicana, � eleito presidente nos EUA, democracia das mais consolidadas no mundo.
Emmanuel Macron e Marine Le Pen disputam o Eliseu sem a sustenta��o dos pilares partid�rios cl�ssicos da pol�tica francesa.
Pascal Pavani - 23.abr.2017/AFP | ||
Cartazes dos candidatos Marine Le Pen e Emmanuel Macron aparecem ao lado de um local de vota��o |
Nigel Farage, do UKIP (sigla em ingl�s para Partido de Independ�ncia do Reino Unido), foi protagonista do 'brexit', evento geopol�tico na Europa mais importante desde a Queda do Muro de Berlim.
Na �ustria e na Holanda, recentes elei��es transcorreram com um forte sentimento "anti-mainstream".
No Ocidente, estamos testemunhando uma ojeriza a l�deres e ideias afeitos ao establishment. Tudo o que parecia at� h� pouco inabal�vel —bipartidarismo norte-americano, din�mica de integra��o na Uni�o Europeia, sacralidade dos com�cios presenciais— � eclipsado por aquilo que contrasta com a pol�tica tradicional.
O mundo � dos "outsiders". O momento � daqueles que se op�em "�quilo que est� a�". Esse "outsiderismo", portanto, tem muitas faces.
Nesse contexto, a pol�tica metamorfoseou-se. O ideal rom�ntico de revolu��o n�o faz mais parte do elenco de aspira��es.
Ao contr�rio do que se poderia imaginar como efeito das redes sociais, as agendas propositivas e cr�ticas est�o mais locais. Sabe-se o que quer e como fazer no seu bairro, cidade. Menos, por�m, no n�vel de uma unidade federativa (Estado) ou pa�s. Muito menos para o mundo.
Ao contr�rio dos muitos consensos que emergiram durante a "globaliza��o profunda" —como o ideal de circula��o mais livre de bens, servi�os, capitais e pessoas—, essa tend�ncia "outsiderista", nos EUA e na Europa, responde mais ao particular que ao geral, mais ao imediato que ao estrat�gico.
Claro que Trump, elei��es presidenciais na Fran�a e 'brexit' s�o macro-exemplos de outsiderismo, mas tal tend�ncia � ainda mais sentida no n�vel do Poder Executivo ou casas legislativas em �mbito municipal ou estadual/provincial.
Em seu debate cotidiano, a pol�tica outsiderista n�o � mais a dos grandes sistemas ou solu��es globais. Al�m desse car�ter de proximidade "epid�rmica", h� a quest�o da pol�tica como espa�o de defesa da voz de afinidades est�ticas ou profissionais.
Da� em elei��es aos mais variados cargos observarmos o �xito de candidatos dos taxistas, esportistas, celebridades de TV ou dirigentes de clubes de futebol. E aqui, sem d�vida, tecnologia e redes sociais tamb�m exponenciam o vetor outsiderista.
Afinidades est�ticas, como diria o grande soci�logo franc�s Michel Maffesoli, turbinam as "c�lulas" de proximidades dos outsiders com suas comunidades no Facebook ou no Twitter.
Em muitos desses casos, os canais entre outsiders e aqueles que comp�em suas "nuvens" substituem m�dias jornalisticas tradicionais. Nesse fluxo, mais importante que "informa��o" � "confirma��o".
Houve aqui, portanto, uma transforma��o. A origem da not�cia ou an�lise, h� um tempo restrita � reda��o pr�pria de cada ve�culo jornal�stico, hoje est� na multid�o de sites, ag�ncias de not�cias, blogs, universidades, nas empresas de qualquer ramo. Circula, enfim, no ciberespa�o.
O destino, na mesma medida, que segmentava por m�dia o tipo de consumidor em suas v�rias formas (leitor, ouvinte, telespectador, internauta), condensa-se progressivamente gra�as � converg�ncia tecnol�gica.
A m�dia, como sin�nimo de imprensa, � irm� g�mea da Liberdade de Express�o. Esta identidade sempre se alimentou pela no��o de que o livre debate de id�ias (exposto pela m�dia) constr�i agendas cr�ticas ou propositivas —objetivo eminentemente pol�tico.
E a quest�o da sobreviv�ncia das empresas de m�dia tamb�m permitiu um deslocamento do eixo jornal�stico para o do entretenimento, sublinhando assim a rela��o "interesse p�blico x interesse do p�blico". Quanto a este �ltimo, � patente a tendencia ao m�rbido, � vulgariza��o, � TV trash e aos sites de �dio. Ecossistema perfeito para alguns outsiders.
Com efeito, na pol�tica de cargos eletivos,o que vemos � o decr�scimo relativo da import�ncia dos discursos program�ticos e a constru��o de candidatos a partir de marketings de empatia.
As redes sociais, dado seu car�ter instant�neo e superficial, ajudam nessa "efemeridade". As novas tecnologias aproximam. Isto se faz para o bem e para o mal.
A proximidade desvenda identidades, mas tamb�m real�a diferen�as, sobretudo civilizacionais. Este o principal combust�vel para os conflitos contempor�neos conforme a ainda atual formula��o de Samuel Huntington.
O advento dessa fase outsiderista no Ocidente e o impacto que ela projeta para as rela��es internacionais � marcante. As fronteiras, claro, n�o deixaram de existir. Tornaram-se, no entanto, mais porosas. O Estado-Na��o, que sustenta sua exist�ncia na dualidade interno-externo, v�-se desorientado com sua vulnerabilidade f�sica, macroecon�mica e cultural.
Suas delimita��es s�o vazadas tecnol�gica, financeira e culturalmente, o que produz novas s�nteses —por vezes enriquecedoras, por vezes fragment�rias.
Geram como contrapartida bandeiras preservacionistas de tradi��es e especificidades —o que, se empunhadas com o valor maior da toler�ncia, deve ser bem-vindo num mundo que se quer plural.
Imposs�vel n�o reconhecer tais marcas, na sua vers�o potencialmente perigosa, em Trump, Le Pen e mesmo nas motiva��es mais nativistas que levaram ao 'brexit'.
Como o Brasil, em tantas momentos hist�ricos, gosta de andar na contram�o de tend�ncias internacionais, aqui h� talvez uma boa not�cia.
"Outsider" pode querer dizer mais do que apenas o "n�o tradicionalmente pol�tico", ou aquele "n�o vinculado a partidos consolidados". Pode significar tamb�m aquele contr�rio ao que � tristemente convencional no pa�s.
Repudiar populismo, experimentalismo macroecon�mico e uma economia pol�tica de compadrio � ser outsider, pois esta �, h� muito tempo, a tr�ade "mainstream" no Brasil.
Em nosso pa�s, ser "contra o que est� a�" significa sobretudo permitir o amplo desencadeamento de criatividade e for�as produtivas. Nesse sentido, a emerg�ncia de um outsider pode ser uma �tima novidade para o Brasil.
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