Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde � professor-adjunto de rela��es internacionais e pol�ticas p�blicas. Escreve �s quartas.
Desestruturar globaliza��o � eixo da Doutrina Trump
Muitos se perguntam, em meio � ca�tica polifonia do novo governo dos EUA, se � poss�vel identificar alguma coer�ncia em termos de pol�tica externa que permita delimitar os contornos da "Doutrina Trump".
Tratei desse tema h� algumas semanas nesta coluna, com �nfase nos aspectos mais pol�tico-militares do que uma tal doutrina implica.
Yuri Gripas - 31.jan.2017/Reuters | ||
O presidente dos EUA, Donald Trump, recebe representantes da ind�stria farmac�utica americana |
Nesse dom�nio, os sinais ainda s�o bastante confusos. Qual a real linha de a��o da Casa Branca para lidar com a R�ssia de Putin ademais das palavras de empatia? Qual a posi��o dos EUA ante a Otan para al�m da quest�o do aumento da contribui��o or�ament�ria de pa�ses-membros que n�o os EUA? Apoiar a perpetua��o da Uni�o Europeia � algo em linha com os interesses estrat�gicos dos EUA?
H�, no entanto, algo de muito coerente —e perturbador— na nova vis�o externa norte-americana. Sua vers�o mais bem concatenada at� agora foi exposta na �ltima segunda (6) pelo economista Peter Navarro, titular do rec�m-criado "Conselho da Casa Branca para o Com�rcio", num evento da NABE (sigla em ingl�s para Associac�o Nacional de Economia Empresarial) em Washington.
Para Navarro, um dos poucos assessores que "fazem a cabe�a" de Trump, a nova estrat�gia comercial dos EUA n�o � apenas um item de pol�tica econ�mica, mas de "seguran�a nacional".
Nessa linha, nada a esperar na prolifera��o de acordos que envolvam m�ltiplos pa�ses. Menos ainda em f�runs multilaterais como a OMC —cada vez mais vilanizada no discurso da Casa Branca como respons�vel por decis�es injustas contra a economia norte-americana.
Agora, o mantra � o da negocia��o bilateral —que resulte em acordos de com�rcio livres, justos e rec�procos. O objetivo de tal estrat�gia —que remonta a uma esp�cie de mercantilismo arcaico— � diminuir o d�ficit comercial dos EUA.
Aqui, a �nfase na balan�a comercial de bens manufaturados � destacada. Deixa-se de lado, contudo, que os EUA s�o superavit�rios em sua balan�a de servi�os. O mesmo tamb�m � v�lido para setores de tecnologia e entretenimento, com seus hubs no Vale do Sil�cio e em Hollywood.
Soa inveross�mil, mas Navarro, ao salientar que sucessivos d�ficits comerciais nada mais s�o do que transfer�ncia de riqueza ao exterior, ignora que durante os anos da Grande Depress�o os EUA acumularam super�vits com o resto do mundo.
Na aus�ncia de outros vetores de prosperidade, a balan�a comercial positiva em si gerou pouca tra��o para permitir � economia norte-americana sair do atoleiro.
E mais: Navarro chega a criticar o fluxo de investimento estrangeiro direto aos EUA como uma amea�a � pr�pria soberania dos EUA. Indica que os Estados Unidos t�m suas empresas, tecnologias e cadeias de suprimento alimentar e mesmo suas bases industrial militares compradas crescentemente n�o por "aliados benignos", mas —numa �bvia refer�ncia � China— por um "rival estrat�gico que busca hegemonia na �sia e no resto do mundo".
A orienta��o do governo Trump apropria-se destarte de uma frase de Warren Buffet: "Conquista pela Aquisi��o" ("Conquest by Purchase"). Ao "comprar" ativos dos EUA, a China n�o precisaria de armas para conquistar o mundo. A for�a de seu capital bastaria. Detalhe curioso e contradit�rio � ret�rica da administra��o Trump: o pr�prio Buffett � dono de muitas a��es de empresas chinesas.
Se o projeto de prosperidade da China sustentou-se numa "globaliza��o seletivamente aberta", com robustos super�vits comerciais multiplicando a capacidade investidora da China, cabe ent�o estancar tal din�mica.
Nesse aspecto, Navarro revela a principal motiva��o da Doutrina Trump. Reverter cadeias mundiais de produ��o, desarticular o sistema multilateral de com�rcio e modular seletivamente o fluxo de investimentos para dentro e fora dos EUA.
Muito disso � direcionado a conter a ascens�o chinesa. Em seu conjunto, por fim, o efeito n�o poder� ser outro. Trata-se de desestruturar a globaliza��o.
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