A última terça-feira (8) foi uma aula sobre o setor elétrico e sobre os riscos e glórias das privatizações (ou desestatizações, a gosto do freguês).
A privatização da Copel (Companhia Paranaense de Energia) aconteceu justamente no mesmo dia em que a Eletrobras divulgou seus resultados e permitiu que enxergássemos o que efetivamente aconteceu com a empresa um ano depois de ser privatizada. É difícil acreditar que foi por mera coincidência.
A Copel deixou de ser uma estatal em uma operação que movimentou R$ 5,2 bilhões, com a oferta de suas ações na Bolsa de Valores. Os papéis (CPLE6) foram negociados por R$ 8,25 e, na sexta-feira, três dias depois, já estavam na casa dos R$ 9.
Vale notar que dos mais de R$ 5 bilhões, apenas cerca de R$ 2 bilhões virarão recursos líquidos para a Copel usar, "após a dedução das comissões, tributos e despesas" a serem pagas no âmbito da oferta, segundo a própria empresa.
E onde seus executivos prometem gastar essa grana? Para garantir a renovação da concessão de três usinas hidrelétricas por mais 30 anos. Uma delas, a Usina de Foz de Areia, aliás, é a maior do portfólio da Copel. Não se trata, então, de um dinheiro que resultará em grandes inovações, mas em manter o status da empresa.
Os R$ 2 bilhões, aliás, sequer serão o suficiente para pagar os bônus de outorga das três concessões, que somam R$ 3,7 bilhões —a empresa não descarta emitir novos títulos de dívida para atingir o montante.
Levantar dinheiro está longe de ser a única razão para a privatização de uma empresa de um setor tão essencial e sólido quanto a energia no Brasil.
Quando, há pouco mais de um ano, a Eletrobras entregou seu prospecto definitivo para privatização, disse que ela seria "fundamental para o seu crescimento e desenvolvimento a longo prazo", com diversas "alavancas de geração de valor" a serem capturadas (seja lá o que for uma alavanca de geração de valor).
Navegar nos números e letras do último balanço trimestral da Eletrobras permite vislumbrar como nada é tão simples quanto prega o prospecto. E como os caminhos se dão um ano depois do grande lance, que, em 14 de junho do ano passado, movimentou R$ 33,7 bilhões.
A capacidade instalada da empresa, que é o quanto de energia elétrica ela conseguiria gerar se operasse em nível máximo, aumentou apenas 1%, comparando o segundo trimestre de 2023 com o segundo de 2022, logo antes da privatização. O lucro aumentou 16%.
Enquanto a receita com a geração de energia aumentou 22%, comparando os trimestres dos dois anos, os ganhos com a transmissão caíram 8%.
Ainda que analistas tenham apontado que o balanço mostra cortes de custos e redução do passivo, ou seja, das dívidas da empresa, a divulgação dos números não teve grande impacto nas ações (ELET3). Entre segunda e sexta-feira, a variação foi de menos de 1%.
Vale lembrar que nos seis meses anteriores à privatização da Eletrobras, suas ações subiram mais de 35%, mostrando o otimismo do mercado com a jogada.
De um ano para cá, entretanto, os papéis caíram mais de 20%, mostrando que os investidores exageraram na dose ao imaginar o que a empresa seria capaz de entregar com a virada de chave. Como o mercado trabalha com projeções, dá para dizer que as perspectivas para a Eletrobras hoje parecem piores do que há um ano, de acordo com os preços das ações.
Analistas do BTG e da XP recomendam a compra dos papéis e afirmam que eles têm potencial para se valorizar até 90%. Seu ano de debutante no setor privado, entretanto, ainda não trouxe tantas novidades e alegrias.
No caso da Copel, seus papéis subiram mais de 18%, desde o começo do ano, quando a desestatização ficou mais óbvia. Aguardemos cenas (e números) dos próximos capítulos, quando o prospecto se deparar com a realidade.
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