Marcia Castro

Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

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Marcia Castro
Descrição de chapéu Todas violência

O poder transformador da comunidade

Notícias sobre violência ofuscam caráter solidário, empreendedor, inspirador e inovador das favelas

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Qual a imagem que a população tem das favelas?

O que se vê na TV, o que se lê nos jornais e o que se escuta no rádio gira em torno do mesmo tema: violência. Vidas interrompidas, sonhos destruídos, pessoas desprovidas do direito de ir e vir. Um grave problema social e de segurança pública.

Essa violência ofusca o caráter solidário, empreendedor, inspirador, inovador e transformador das favelas. Semana passada, o Programa de Estudos do Brasil da Universidade Harvard, o qual coordeno, trouxe uma equipe do G10 Favelas para palestrar em várias escolas (saúde pública, governo, negócios, artes). Auditórios lotados prestigiaram vozes vindas da favela de Paraisópolis, em São Paulo. Vozes que raramente ganham espaço em uma instituição que normalmente recebe chefes de Estado, ministros, personalidades, e estudiosos de renome.

Vila Bela, na região de São Mateus, zona leste de São Paulo - Karime Xavier- 23.ago.2023/ Folhapress

Criado em 2019, o G10 é um bloco de líderes e empreendedores de impacto social das dez maiores favelas do Brasil. Eles buscam o desenvolvimento econômico e social dos endereços. O G10 promove ações comunitárias que garantem acesso a alimento, hortas orgânicas, saúde, financiamento, entrega de mercadorias e geração de renda para os mais vulneráveis, dentre outras.

Com a chegada da Covid-19, 40 dias após o primeiro caso reportado em São Paulo, o G10 em Paraisópolis organizou dez ações para enfrentar a pandemia. Em 40 dias!

Foram soluções da comunidade para a comunidade: distribuição de marmitas, contratação de ambulância para suprir a ausência do Samu, distribuição de cestas básicas e itens de higiene pessoal, capacitação de moradores como socorristas, tele atendimento, apoio jurídico para reivindicar direitos básicos, home office para costureiras e distribuição de máscaras, apoio a diaristas que ficaram impedidas de trabalhar, criação de um centro de acolhimento com 520 leitos para isolamento de infectados e criação do sistema de presidentes de rua (voluntários que atendem 50 famílias, semelhante ao modelo da Estratégia de Saúde da Família).

Com isso, Paraisópolis teve melhor desempenho frente à Covid-19 comparado com o Morumbi, bairro vizinho e muito mais rico.

Outro exemplo é o Projeto MISMEC 4 Varas: Comunidade que Cuida, localizado na favela do Pirambu, em Fortaleza, capital cearense. Há mais de 30 anos, a iniciativa oferece terapias comunitárias, contribuindo para a melhoria da saúde mental. Lá ainda são capacitados técnicos e profissionais da área social, da saúde, da educação e lideranças comunitárias.

Em 2018, levei 15 alunos da Escola de Saúde Pública de Harvard, que se juntaram a 15 alunos do Brasil, para um curso de campo de saúde pública em Fortaleza. Visitamos o projeto MISMEC 4 Varas e participamos de uma ação de terapia comunitária. A experiência foi transformadora, sendo tema do orador daquela turma durante a cerimônia de formatura, no ano seguinte.

O tipo de terapia comunitária promovido pelo MISMEC 4 Varas é a base do projeto EMPOWER da Universidade de Harvard, que visa capacitar agentes comunitários em saúde mental via plataformas digitais.

Esses são apenas dois exemplos que mostram um lado pouco divulgado das favelas. Exemplos que deveriam ser estudos de caso em universidades no Brasil e no mundo.

Sim, há violência nas favelas, mas quem nasce na favela não tem a violência e o fracasso como destino. O G10 mostra isso com clareza!

É preciso tornar o bem visível. Empoderar quem empodera. Valorizar quem transforma. Divulgar quem inova buscando o bem comum.

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