Marcia Castro

Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcia Castro

A hora de eliminar a malária é agora

Ainda que a mortalidade pela doença no país seja baixa, o custo social e econômico é alto

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Em maio do ano passado escrevi nesta coluna que não há como eliminar a malária sem que haja respeito à floresta e aos povos da floresta. Ações do atual governo para coibir o garimpo ilegal e o desmatamento, além da reconstrução do sistema de saúde e seus pilares fundamentais, trazem esperança para o Plano Nacional de Eliminação da Malária, cuja meta é eliminar a transmissão local até 2035.

Claro que há muitas prioridades após anos de desmonte. Porém, acho que pôr o Brasil na trajetória para eliminar a malária até 2035 deveria ser um compromisso do atual governo.

Ainda que a mortalidade por malária no Brasil seja baixa (50 mortes em 130 mil casos em 2022), o custo social e econômico é alto. Os gastos públicos do sistema de saúde com malária em 2019 ultrapassaram R$ 500 milhões. Isso não inclui os custos sociais e econômicos devido à perda de qualidade de vida e de dias de trabalho e escola perdidos.

Enfermeira atende yanomami de 20 anos internado com malária no Hospital Geral de Roraima, em Boa Vista
Enfermeira atende yanomami de 20 anos internado com malária no Hospital Geral de Roraima, em Boa Vista - Lalo de Almeida - 31.jan.23/Folhapress

Portanto, a eliminação da malária não representa um custo e, sim, um investimento cujo retorno impacta o desenvolvimento social e econômico e libera recursos que podem ser utilizados em outras prioridades sanitárias.

O Brasil pode (e deve) dar passos importantes em direção à eliminação utilizando estruturas e tecnologias existentes. Por exemplo, a incorporação de agentes comunitários de saúde como um apoio adicional ao controle da malária é fundamental para a agilidade no diagnóstico e tratamento. Além disso, a recente aprovação do medicamento Tafenoquina é um enorme avanço já que reduz um tratamento de até 14 dias para apenas uma dose.

O uso dos dados da vigilância para guiar a resposta local é uma recomendação global. O Brasil, comparado com outros países com transmissão de malária, tem sistemas de informação de qualidade. Além disso, o sistema de alerta de desmatamento não só facilita o monitoramento ambiental como informa áreas críticas para eventuais surtos de malária.

A utilização desses dados para informar políticas de controle ainda precisa melhorar. Em breve o programa nacional de controle de malária promoverá uma capacitação das equipes locais para suprir essa e outras demandas cruciais de gestão.

Importante destacar que 30 municípios concentram 80% dos casos de malária, e apenas 16 municípios representam 80% dos casos de malária falciparum, responsável por formas mais letais da doença. A concentração geográfica facilita a implementação de ações voltadas à eliminação. Além disso, com a melhoria no uso dos dados da vigilância, o Brasil pode avançar na certificação subnacional de eliminação em várias áreas do país.

O compromisso político de eliminar a malária também ajuda a evitar que ações de controle sejam relaxadas em função do declínio no número de casos, algo que já foi observado historicamente.

Há desafios emergentes que podem comprometer os esforços de eliminação, tais como resistência a medicamentos e inseticidas e a redução da sensibilidade de testes rápidos. Além disso, um mosquito transmissor da malária adaptado ao ambiente urbano, originário da Ásia, tem se expandido rapidamente pelo continente africano e não é improvável que chegue ao Brasil, como já aconteceu no passado.

Portanto, a janela temporal para a eliminação da malária no Brasil é agora.

Eliminar a malária será uma conquista sanitária, social, ambiental, econômica e humanitária. Uma conquista que impulsionará esforços de eliminação em outros países das Américas. Um legado de união de diferentes setores do governo e da sociedade, e de reconstrução de um comprometimento político com os direitos humanos e a redução de iniquidades.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.