A entrevista de Jair Bolsonaro ao Jornal Nacional trouxe à memória uma planta, Mimosa pudica, a popular dormideira. Não pelo pudor, ao contrário. E sim porque ela, ao menos, aprende algo útil com a repetição de estímulos ameaçadores.
Não é o caso dos brasileiros. Quanto mais o presidente mente, achincalha e desconversa, mais reagimos com objetividade, desmentidos, argumentos —arsenal que já se provou incapaz de torpedear a bolha de seus eleitores nas redes sociais.
Melhor voltar a atenção para a M. pudica. Uma diversão da meninada que ia a pé do centro de Ubatuba à praia do Perequê-Açu era mexer nas folhas compostas do arbusto, que se fechavam de pronto ao simples toque. Inesquecível.
Para um vegetal, a reação rápida é surpreendente. Pensamos em plantas como seres imóveis, enraizados, presos que estamos ao ritmo animal baseado na locomoção (ataque ou fuga) como estratégia de sobrevivência.
Há um livro inquietante sobre o que humanos podem e devem aprender com esses seres tão estranhos e fundamentais: "A Revolução das Plantas - Um Novo Modelo para o Futuro", de Stefano Mancuso. Saiu no Brasil pela editora Ubu.
O botânico da Universidade de Florença ganhou fama propagando a noção de que nossos conterrâneos verdes (conterráqueos?) são seres inteligentes, ao contrário do que se acredita. Tão mais inteligentes que teriam inventado uma internet de raízes muito antes de nós e a usam para trocar informações vitais, não fake news.
Os argumentos estão no livro, intrigantes e instigantes, e mais ainda as conclusões filosóficas e políticas que extrai. Não haverá spoilers aqui, a não ser para resgatar do livro um experimento maluco com as dormideiras.
Mancuso narra que as plantas sensitivas, como a M. pudica das Américas, despertaram interesse de botânicos quando chegaram à Europa. Estudiosos do porte de Robert Hooke (1635-1703) e Jean-Baptiste Pierra Antoine de Monet, chevalier de Lamarck (1744-1829), ficaram encantados com essa rara capacidade em vegetais.
Lamarck intrigou-se com o fato de a dormideira deixar de fechar as folhas com a repetição do estímulo. Atribuiu isso ao cansaço: a partir de certo ponto, a planta não teria mais energia para despender em reações tão velozes.
Outro botânico francês, René Desfontaines (1750-1833), teve a ideia de levar vasos de dormideiras para passear de carruagem por Paris. Após umas tantas vibrações do cupê sobre o calçamento, claro, as folhinhas pararam de se recolher.
As plantas se acostumaram à trepidação. Em outras palavras, são capazes de reter informações em sua memória, onde quer que esta se localize nelas.
Em 2013, o laboratório de Mancuso submeteu dormideiras a uma queda brusca de 10 cm, e as plantas reagiram como esperado. Primeiro, se fechando; depois, parando de fazê-lo.
Introduziu-se então um novo estilo de deslocamento, horizontal, e as plantinhas de imediato voltaram a se encolher. Além de memória, mostraram capacidade de distinguir estímulos inócuos de outros, novos, potencialmente ameaçadores.
Bolsonaro nos trata como seres menos inteligentes que dormideiras. O segredo de seu experimento incivil é nunca variar a natureza das ameaças, só o grau: em três décadas, sempre explicitou o intento de devastar a democracia, a natureza e a ética.
Nós, brasileiros, nos acostumamos a suas investidas e relaxamos. Mas, quando os estímulos se tornaram letais com a pandemia, o rearmamento, a fome, o racismo, a misoginia e o desmate, seguimos inertes.
As dormideiras são mais espertas que nós.
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