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marcelo coelho

 

15/08/2012 - 03h00

Nada como o fracasso

Foi bem curta a minha carreira, n�o digo de pianista, mas de aluno principiante nesse instrumento. Acabou em 1977, num recitalzinho organizado pela professora.

Eu tinha de tocar uma pe�a fac�lima de Bach, que consta do "Pequeno Livro de Anna Magdalena". Essa cole��o re�ne m�sicas ainda mais simples do que as reunidas nas "23 Pe�as F�ceis", esp�cie de segundo degrau numa escada que continua com as "Inven��es a Duas Vozes", essas tamb�m bastante elementares.

Passei o semestre inteiro tocando aquele minutozinho, e o sabia de cor. Antes de chegar a minha vez, v�rios alunos tinham se apresentado sem problemas.

Nervoso eu n�o estava. Fiquei esperando nos bastidores do audit�rio da escola. Para minha sorte, nenhum familiar estava por perto. Sentei-me ao piano. Comecei com seguran�a; o som do instrumento era bonito; eu gostava da m�sica.

"Est� indo muito bem", disse-me uma vozinha interior. Provavelmente bem-intencionada, n�o sei. Foi o bastante. Ter come�ado sem erro foi o que me arruinou. Quando me vi tocando bem, passei a tocar pessimamente. A continua��o da pe�a fugiu de mim; os dedos tremiam.

Segundos depois, estava tudo acabado. Aplaudiram-me, porque seria imposs�vel me vaiarem naquela situa��o escolar. Mesmo assim, n�o pude deixar de reagir com um movimento de ofensa interior �s palmas, obviamente caridosas, que me eram dirigidas.

Eu queria tanto sair de l� que me esqueci de voltar ao camarim. Vi uma escadinha que sa�a do palco em dire��o � plateia. Por l� me embarafustei, entre as cadeiras enfileiradas, at� a sa�da do audit�rio, e da� para a rua, onde os carros, postes e fios el�tricos n�o tinham ouvidos nem m�os para aplaudir.

Lembro isso por causa de certos fiascos e de algumas vit�rias obtidas pelo Brasil na Olimp�ada.

Se algo se aprende do ouro para a judoca do Piau�, e da prata para a sele��o de futebol, � que o brasileiro tem alergia ao favoritismo.

Diego Hyp�lito, Fabiana Murer, Neymar, Cesar Cielo: as tradicionais "esperan�as" ol�mpicas brasileiras resultaram em frustra��o. E quem j� tinha ouvido falar de Arthur Zanetti, ouro nas argolas, ou de Sarah Menezes, no jud�?

Imagino que a torcida, mesmo de longe, pese desfavoravelmente sobre os atletas. A sele��o feminina de v�lei s� ganhou porque o mundo inteiro j� tinha desistido de acreditar em seu sucesso.

Talvez com pa�ses maiores esse problema n�o aconte�a; n�o recai sobre fulaninho ou beltraninha a responsabilidade de defender a p�tria inteira nas costas.

Verdade que as Olimp�adas s�o devoradoras de favoritos, venham de onde venham. A saltadora russa e o tenista su��o tamb�m se deram mal. Em todo caso, o Brasil tem sempre d�vidas maiores a pagar com sua pr�pria imagem. N�o � poss�vel que fiquemos s� com os poucos gr�os de milho esquecidos no terreiro, depois que as aves de ra�a se refestelaram de medalhas.

No futebol, a sele��o brasileira sofre h� d�cadas de um favoritismo que parece injusto, mesmo quando a vit�ria se concretiza numa competi��o. � vit�ria suada, que se consegue mais ou menos nos p�naltis, jogando sempre mal. O que valia para o masculino come�a a se impor no feminino tamb�m.

Nem quero pensar no tipo de press�o que vir� quando a Copa for no Brasil. Quanto �s Olimp�adas, pelo menos o racioc�nio me alivia. A maioria dos progn�sticos aponta para fiasco na organiza��o do evento. Quem sabe, como no jud� ou nas argolas, n�o tenhamos surpresa nesse ponto?

Voltei ao piano, j� sem nada a perder, quase 40 anos depois. Para minha surpresa, a parte tradicionalmente mais chata do aprendizado, os exerc�cios t�cnicos, revelou-se a melhor de praticar.

Refa�o dez, 30, 80 vezes a mesma passagem pelas teclas pretas. Gra�as ao piano digital, com fones de ouvido, a vizinhan�a n�o reclama. A mente se entrega a uma esp�cie de sonho; pessoas e lugares voltam � mem�ria.

Um antigo professor da faculdade � convocado � escala de r� menor. O exerc�cio 57, na m�o esquerda, leva-me a uma esquina do Campo Belo. Os jurados de um programa de televis�o de 1966 respondem ao acorde de f�.

Avancei, o que � medalha de prata para mim, at� as "Inven��es a Duas Vozes": depois de quatro semanas, comecei a dominar os dois primeiros compassos.

Qualquer hora dessas, estarei me dedicando � gin�stica ol�mpica tamb�m. Nada como o fracasso, � o que sempre digo.

marcelo coelho

Marcelo Coelho, jornalista, � membro do Conselho Editorial da Folha. � autor dos romances 'Pat�polis', 'Jantando com Melvin' e 'Noturno' e das colet�neas de ensaios 'Tempo Medido', 'Gosto se Discute' e 'Trivial Variado'. Comenta assuntos variados. Escreve �s quartas e mant�m um blog no site da Folha.

 

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