Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária

Chamar estupradores de doentes faz parte da cultura do estupro

Grande parte dos estupros é realizada por pessoas conhecidas, como membros ou amigos da família

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Há duas semanas, escrevi sobre a campanha da Clarissa Garotinho, que se baseia na castração química como punição a estupradores. Defendi que essa solução é ineficaz para combater a cultura do estupro, e é espantoso como a maioria dos comentários dos leitores demonstrou incômodo e desconhecimento sobre esse conceito.

"Não acho que exista uma cultura do estupro, todo mundo sabe que estupro é errado." Eu queria muito que essa afirmação estivesse correta, caro leitor, mas como não é o caso, acho que precisamos falar sobre isso.

Cultura do estupro é um conjunto de comportamentos que silenciam ou relativizam a violência sexual contra a mulher. E se esses comportamentos são culturais, é porque eles não são naturais ou instintivos.

Desenho de uma boca de mulher com batom com feição triste e olhos chorando por cima de um fundo azul acinzentado.
Ilustração de Silvis para coluna de Manuela Cantuária - Silvis

Quando chamamos estupradores de doentes, estamos falando de cultura do estupro. Ironicamente, é a ideia de que estupradores são mentalmente desequilibrados que não passa de um delírio. É só conferir qualquer pesquisa recente sobre o assunto, como um estudo do Ipea que indicou que mais de 50% dos estupros sofridos por menores foram praticados por pessoas conhecidas, como pais, padrastos e amigos da família. No caso de mulheres adultas, os estupros praticados por conhecidos configuram 40% dos casos.

Quando Bolsonaro diz, diante das câmeras, à deputada Maria do Rosário: "Não estupro você porque você não merece", estamos falando de cultura de estupro. Ou ainda, quando um homem afirma que existem mulheres que merecem ser estupradas e se elege como presidente da República, estamos falando de cultura do estupro. Uma pesquisa Datafolha apontou que um terço dos brasileiros acredita que uma mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada.

Quando uma mulher é estuprada a cada 11 minutos no Brasil, e mais de 95% dos estupradores não são condenados, estamos falando de cultura do estupro. A impunidade desses criminosos é um fator determinante para entender que a violência contra as mulheres também é perpetuada pelo Estado.

Quando mulheres são orientadas a se prevenir de violências sexuais, tirando o foco de quem perpetua essa violência, estamos falando de cultura do estupro. Quando dizemos que um estuprador será feito de "mulherzinha" na cadeia, estamos falando de cultura do estupro. Quando evitamos falar de cultura de estupro, estamos falando de cultura do estupro.

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