O Supremo vive uma crise de imagem. A fase seguinte –a menos que alguém dê um boot no sistema operacional do tribunal– é a decomposição de sua legitimidade.
O STF em alguma medida deve refletir os grandes consensos da sociedade. Possuir poderes contramajoritários é como deter um arsenal nuclear: tem-se para dissuasão, não para uso frequente.
Em tempos não tão distantes, o STF olhava para o Congresso, para a imprensa, para os agentes econômicos e identificava um núcleo comum de valores que animavam a sociedade.
Havia uma espécie de língua geral que encorajava um diálogo constitucional, que permitia, em bom latim, ao boi preto reconhecer outro boi preto. E aos poucos se avançava; não se retrocedia.
O tempo mudou e a coleção de vinil do STF, seus códigos de interpretação do cenário político e social, não se ajustam mais perfeitamente ao mundo das redes sociais. O tribunal não se enxerga mais na sociedade fragmentada e desorganizada –e vice-versa.
O mundo digital forma consensos relâmpagos, que vão e voltam, transformam-se, ficam estridentes e depois decaem, não deixando nada no lugar.
O Supremo está baratinado. Mas nada justifica a ação dos ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes de censurar a revista eletrônica Crusoé e o site O Antagonista. Um retrocesso, uma inconstitucionalidade.
“Journalism is not a crime”, dizem cartazes das manifestações diárias que ocorrem em favor de dois jornalistas da agência de notícia Reuters, que foram sentenciados em Mianmar na semana passada por noticiarem o massacre do povo Rohingya naquele país asiático. Divulgar fato verdadeiro, de interesse público, sobre pessoa politicamente exposta não é crime.
No caso, a revista publicou um esclarecimento do empreiteiro e delator Marcelo Odebrecht sobre o dono do apelido “O amigo do amigo de meu pai”. Segundo o delator, seria o ministro Dias Toffoli.
Censurar a publicação revelou um comportamento não só inconstitucional, mas descasado da realidade. Alexandre de Moraes, o relator do inquérito, usou um canhão para matar uma abelha e incendiou a colmeia. Um tribunal com imagem a perigo, e que não consegue fazer valer suas decisões, hipoteca sua legitimidade.
A decisão ocorreu no âmbito do inquérito aberto a pedido do presidente Toffoli para investigar fake news e ataques ao Supremo ou seus integrantes.
O personalismo, chamado na academia de ministrocracia, alimentou a crise de imagem do STF nos últimos anos. Agora, é levado a outro patamar. Toffoli sentiu-se atingido pela reportagem e moveu a máquina.
Não é o mesmo Toffoli que relatou a Reclamação 26.841. Nessa, ele suspendeu os efeitos de uma decisão de um juízo de Campo Grande que determinara a retirada do ar, a censura, do “Blog do Nélio”, um jornalista local.
Naquela decisão, o ministro afirmou que a sentença original do tribunal local constituía intervenção vedada mesmo diante de eventuais abusos do exercício da liberdade de manifestação de pensamento. “Estamos na Era das Novas Mídias”, escreveu.
Bom, mas isso foi antes do inquérito conduzido se tornar uma Casa Verde. Aí cabe todo mundo que desagrade a dupla de ministros. Na novela O Alienista, Machado de Assis conta a história do médico que interna meia cidade por considerar seus cidadãos loucos.
Na terça-feira (16), Alexandre decretou buscas e apreensão de equipamentos de um policial civil com dois seguidores no Twitter e 74 no Facebook. Temos também jornalistas já chamados a depor. Quem mais? O que mais?
Com a reputação em risco, censurado pelo público, pela opinião pública e publicada, o Supremo pode acabar confinado em sua própria Casa Verde.
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