Ewan McGregor tinha 25 anos quando foi catapultado à fama global como Renton, o inefável protagonista de "Trainspotting". Transcorrido outro quarto de século, o ator escocês retoma um personagem igualmente às voltas com a dependência química e a contestação de limites sociais, o estilista Halston, na minissérie homônima que estreia nesta sexta na Netflix.
Entre um e outro, colecionou papeis memoráveis sob diretores idem –Obi-Wan Kenobi, o Christian de "Moulin Rouge", o contador de histórias de "Peixe Grande", os gêmeos da série "Fargo" (há mais).Por isso é tão surpreendente vê-lo se dissipar por completo sob o sotaque peculiar e os gestos elegantes do artista que mudou a estatura da moda americana.
Diferentemente da turma retratada no livro de Irvine Welsh e no filme de Danny Boyle de 1996, Halston é real, ainda que sua trajetória pareça extraída de um drama de Dickens transposto para a Nova York dos anos 1960-70-80. Com ele, desfilam na tela personagens da cena disco, quando não havia Instagram e a medida de sucesso de uma celebridade era a turba que se aglomerava para vê-la entrar no clube Studio 54.
Ali orbitavam a multiartista Liza Minelli, a designer de joias Elsa Peretti, o estilista (depois cineasta) Joel Schumacher e mais uma turma eclética, de michês a empresários, de madames a artistas transgressores. Foi a era da cocaína como status, pré-Aids, pós-guerras, quando tudo borbulhava numa catarse contínua.
Nessa cena tão esfuziante, Halston ainda sobressaía.
Criado entre os soporíferos estados de Iowa e Indiana, interessou-se por moda cedo, confeccionando chapéus para consolar a mãe dos abusos cometidos pelo pai. Cresceu, estudou moda na cidade de Chicago, foi trabalhar em Nova York e caiu nas graças da primeira-dama –é dele o chapeuzinho icônico que Jackie Kennedy usou na posse do marido, em 1961.
Assim ele decolou. Abriu sua grife de roupas, com vestidos minimalistas e esvoaçantes, criou tecidos tecnológicos, incutiu a ideia de funcionalidade na moda. Criou seu séquito glamouroso de modelos fiéis (a atriz Anjelica Huston foi uma delas), com a aposta pioneira na diversidade étnica, e conquistou respeito entre os pares dos dois lados do Atlântico.
Mas os excessos (de droga, de sexo desprotegido e principalmente de ego) passaram a esfacelar sua vida de forma irreversível, até sua morte, aos 57, em decorrência do HIV, em 1990. O mesmo ocorria com sua linha de roupas, que, vendida e revendida a grandes investidores em buscas da massificação, saiu aos poucos de seu controle.
Como toda produção assinada por Ryan Murphy ("Hollywood", "American Crime Story"), esta é visualmente impecável. Mas, ainda que traga música e algum histrionismo às cenas, o registro é muito mais sutil que o de costume.
Possivelmente, para fazer jus ao minimalismo com que o estilista criava suas roupas, num paradoxo constante com a explosão que era sua vida.
Os cinco episódios de 'Halston' estão disponíveis a partir desta sexta (14) na Netflix
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