Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Por que os americanos têm inveja da eficiência da eleição brasileira

Nos EUA, primeiros disparos de canhão contra a democracia vão partir das urnas nas midterms

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As felicitações começaram a chegar no domingo (30) à noite. Meu celular vibrava com mensagens de americanos que tinham em comum a palavra "alívio". Nenhuma eleição brasileira fez o resto do mundo prender a respiração como esta.

Além da celebração pela derrota do mais odioso, corrupto e devasso líder eleito no Brasil, meus amigos nos EUA demonstravam uma ponta de inveja —e não era só pela rapidez dos resultados.

Comentaram a pressa com que aliados do monstro reconheceram a vitória de Lula; o fato de que nenhum poder institucional contestou a limpeza do processo; e o céu claro de nuvens golpistas da ala que pilota os tanques, um fator objeto de especulação na cobertura em língua inglesa.

Apoiadores de Joe Biden em evento de campanha democrata em Miami, na Flórida - Kevin Lamarque - 1º.nov.22/Reuters

No caso do oficialato tão escandalosamente mimado pelo jagunço que planejou mandar umas bombas de presente para seus comandantes, há outra história que os americanos desconhecem e ainda há de ser contada. É sobre o papel de um certo poder nuclear, ao longo de meses, comunicando ao andar de cima da turma de verde-oliva o preço de mandar os tanques para a rua.

Sei até de um proeminente esquerdista do colégio de cardeais de Lula que, no fim do ano passado, perguntou, alarmado, a um velho interlocutor bem conectado do Tio Sam se o tio Biden estava prestando a devida atenção ao assanhamento da milicada tupiniquim. Depois de alguns telefonemas, o gringo obsequioso respondeu que sim, o iminente octogenário na Casa Branca não cochilaria na retaliação política e comercial. Como é bom justificar crimes de Vladimir Putin e Xi Jinping sob o aconchego do satã imperialista do Norte.

Parte da dor de cotovelo dos meus amigos americanos se deve ao fato de terem descoberto que a democracia deles, depois de quase dois séculos e meio, não precisa de tanques para ser assassinada. Se acontecer, será uma morte lentamente anunciada e chancelada por uma Constituição do século 18 que desafia reformas.

Os primeiros disparos de canhão da ultradireita vão partir das urnas, na terça-feira que vem. Os golpistas não vão berrar histéricos "Deus, pátria e família". Os eleitos entre deputados estaduais e federais, prefeitos, governadores e autoridades da diversa burocracia dos estados tomarão posse legalmente já com planos detalhados de demolição.

Direito ao voto, endurecimento ainda maior em relação ao aborto, controle teocrático de escolas, retrocesso ambiental —os planos variam de estado para estado, mas contam com coordenação nacional no Partido Republicano.

No Congresso, sob a aparentemente inevitável maioria republicana, sai Nancy Pelosi, entra Kevin McCarthy, um político para quem a expressão "todo homem tem seu preço" foi inventada. Não sabemos se já aceita bitcoins, mas ele está esfregando as mãos com as possibilidades.

A partir de janeiro, na Câmara, as investigações vêm aí com ímpeto vingativo, a começar pelo controverso Hunter Biden, filho do presidente. Deputados democratas que se destacaram nos dois impeachments de Donald Trump devem ser enxotados de comitês. Os resultados da investigação da tentativa de golpe de Estado em 6 de janeiro de 2021 serão ignorados —e com o requinte cruel de que deputados cujas vidas foram ameaçadas no Capitólio vão ver apoiadores da invasão alçados a postos de liderança.

Quarta-feira que vem vai ser a minha vez de mandar mensagens. De pêsames.

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