Perto do edifício onde moro, em Nova York, fica um parque com jardim bem cuidado, no norte de Manhattan. A caminhada pelos canteiros termina num terraço alto com vista belíssima para o rio Hudson, não sem antes passar pela placa com o nome do magnata que doou o parque à cidade há quase cem anos, John D. Rockefeller.
O nome da família é tão associado a poder econômico e político que entrou na letra de um sucesso de Cole Porter e se tornou definição, no século passado, de uma espécie hoje extinta, a do republicano liberal, o "Rockefeller republican".
O nome é também símbolo de outra espécie que marcou o capitalismo americano, os "robber barons" (barões ladrões), industrialistas do final do século 19 que acumularam sua bufunfa estratosférica por meio de práticas desonestas, como manipulação de ações e exploração de monopólios.
Alguns dos "robber barons" continuam frescos na memória popular porque esbarramos com eles com frequência em espaços públicos, frutos de sua filantropia. Andrew Carnegie construiu mais de 1.600 bibliotecas, J.P. Morgan ajudou a construir uma catedral em Nova York, cidade à qual também doou uma biblioteca e coleção de arte. Os Rockefellers estão em toda parte —universidades, hospitais e na coleção do Museu de Arte Moderna que recebeu mais de US$ 300 milhões nos últimos 20 anos.
Mas essas fortunas não se comparam, em tamanho, às de seus herdeiros do presente, os barões do Vale do Silício. Os originais roubaram primeiro e fizeram o bem cívico depois, não importa se movidos por ego. Já "robber barons" como Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg aumentaram suas fortunas obscenas com métodos de crueldade empresarial e trabalhista posando de democratas, com "d" minúsculo e maiúsculo.
Doaram copiosamente para campanhas de políticos de esquerda —ou do que se passa por esquerda nos EUA— e venderam o Vale como uma contracultura sem gravata, pró-ambiente, minorias sexuais e raciais, enquanto vendiam gadgets fabricados com trabalho semiescravo e baterias de lítio extraído por crianças na África.
Seguiram sem pagar impostos graças a empresas offshore e sem serem incomodados pela classe política que percebeu, com grande atraso, o estrago —agora com repercussão global.
A era Trump ajudou a liberar nos EUA a sociopatia latente na variação do "robber baron" atual. Musk, o homem mais rico do mundo e fundador da Tesla, é a epítome do demolidor orgulhoso. Lembra a figura do incel, neologismo inglês (contração de "celibatário involuntário") que define uma subcultura digital misógina.
Nas quatro semanas desde que que assumiu o controle do Twitter, Musk não só demitiu em massa sem critério técnico como parece estar num surto destrutivo que inundou a plataforma de bots, discurso de ódio e agentes de ditaduras como Rússia e China, arriscando a privacidade e segurança de usuários.
Mas o fato é que o Twitter não é um bem da república, é um serviço de importância exagerada pela elite econômica e política, pela mídia e pela indústria de entretenimento.
Musk está arriscando sua empresa de carros elétricos e seus contratos de viagens espaciais com a Nasa num embriagado espetáculo diário de provocações e postagens escatológicas. Confirma que o que muitos pensam ser meritocracia não passa de performance.
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