� jornalista, pesquisador e bi�grafo de nomes como Maysa e Jos� de Alencar, e publicou uma trilogia sobre Getulio Vargas. Ganhou quatro pr�mios Jabuti. Escreve aos domingos, a cada 2 semanas.
Relat�rio sobre universidades do pa�s parece dizer que h� elefantes no c�u
Ma�ra Mendes/Editoria de Arte/Folhapress | ||
"Se voc� diz que h� elefantes voando no c�u, as pessoas n�o v�o acreditar", observava Gabriel Garc�a M�rquez. "Mas se voc� disser que h� 425 elefantes alados, as pessoas provavelmente acreditar�o."
Expoente do chamado realismo m�gico, o escritor aludia ao recurso liter�rio de construir narrativas com alto n�vel de detalhamento, a ponto de fazer os leitores "acreditarem" nelas. Instaurar um pacto no qual a irrealidade, apesar de manifesta, � aceita em nome da frui��o e, quase sempre, da alegoria.
Para al�m do campo liter�rio, amparar supostas verdades com base em n�meros e estat�sticas, manobrando dados e fontes de informa��o, � truque de ilusionismo pol�tico. Em vez de artif�cio est�tico, trata-se de manipula��o da f� alheia.
O relat�rio apresentado h� poucos dias pelo Banco Mundial ao governo brasileiro, no cap�tulo destinado a tra�ar o diagn�stico de nossas universidades, tenta fazer a opini�o p�blica acreditar que h� paquidermes planando no c�u. � o caso de lembrarmos que elefantes, obviamente, n�o voam.
"Um estudante em universidade p�blica custa de duas a tr�s vezes mais que um estudante em universidade privada", sustenta o relat�rio, sacando n�meros da cartola: o custo m�dio anual por estudante em universidades privadas seria de at� R$ 14,8 mil; em federais, 40,9 mil.
A compara��o � escalafob�tica. Nas universidades p�blicas, ao contr�rio do que ocorre na maioria das institui��es privadas, a vida acad�mica n�o se resume � sala de aula. Abrange o indissol�vel trin�mio ensino, pesquisa e extens�o, por meio de a��es sistem�ticas junto � comunidade. Da� a necessidade de investimentos s�lidos em hospitais, cl�nicas, museus, teatros e laborat�rios, entre outros equipamentos.
Al�m disso, professores de institui��es p�blicas possuem maior qualifica��o e, assim, sal�rio minimamente compat�vel com a relev�ncia social do of�cio. Como observa o f�sico Peter Schulz, em artigo no "Jornal da Unicamp", 39% dos docentes da rede p�blica t�m forma��o de doutorado, contra 22,5% da privada. Como dado extra, 85% dos professores das universidades p�blicas trabalham em regime de tempo integral. Nas privadas, 22,5%.
O sal�rio dos docentes, ali�s, est� na mira. "Os professores universit�rios brasileiros ganham muito acima dos padr�es internacionais", alardeia o relat�rio, com ast�cias de prestidigitador. Dito assim, nossos mestres e doutores parecem nababos de diploma.
Contudo, um gr�fico contido no pr�prio documento desmente a pegadinha: mesmo o sal�rio dos professores que atingem o topo da carreira, no Brasil, situa-se em n�vel bem inferior ao dos colegas estadunidenses, italianos, australianos e franceses, por exemplo.
O maior ardil do relat�rio procura alimentar uma lenda urbana que cerca a academia: "Embora os estudantes de universidades federais n�o paguem por sua educa��o, mais de 65% deles pertencem aos 40% mais ricos da popula��o".
A informa��o n�o procede. Pesquisas do Fonaprace (F�rum Nacional de Pr�-Reitores de Assuntos Comunit�rios e Estudantis) e da Andifes (Associa��o Nacional dos Dirigentes das Institui��es Federais de Ensino Superior) apontam o contr�rio. Apenas 10,6% dos alunos das universidades p�blicas v�m de fam�lias com renda superior a dez sal�rios m�nimos. Com a democratiza��o introduzida pelo sistema de cotas, o �ndice de estudantes oriundos de fam�lias com renda abaixo de tr�s sal�rios, atualmente em 51,4%, s� tende a crescer.
Amparado no relat�rio, o Banco Mundial prop�s ao governo dois caminhos: "limitar os gastos por aluno" e "introduzir tarifas escolares". Em bom portugu�s, sucatear a universidade e cobrar mensalidades.
Os que n�o puderem pagar pelos estudos, tratem de recorrer a empr�stimos. Nos Estados Unidos, onde o modelo impera, milh�es de jovens rec�m-formados acumulam d�vidas imposs�veis de serem pagas.
� sintom�tico: ao longo das 17 p�ginas do documento relativas ao tema, em nenhum momento os repasses para o setor educacional s�o definidos como "investimento". Em contrapartida, a palavra "gasto" aparece nada menos de 77 vezes.
Imposs�vel dissociar a leitura do relat�rio e a escalada autorit�ria que busca criminalizar a arte e a cultura, bem como espezinhar qualquer manifesta��o do pensamento complexo e do esp�rito cr�tico. Virtudes que encontram na universidade p�blica um de seus �ltimos territ�rios de excel�ncia.
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