Ex-secret�rio de Reda��o da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve �s segundas.
Ao duplicar Tamoios, Alckmin joga bilh�es fora
N�o importa que motivos fazem o governador Geraldo Alckmin buscar recursos para duplicar a Rodovia dos Tamoios, que leva �s praias do Litoral Norte de SP, mas o projeto retrata a vis�o ultrapassada do l�der tucano, materializada no lema "governar � fazer estradas", criado por Washington Luiz, cem anos atr�s.
N�o h� espa�o aqui para listar todos os danos que essa "mentalidade empreiteira" causou ao Brasil. Cito dois: somos mais dependentes de transportes sobre pneus (70% das cargas) do que os EUA (30%), que nos impingiram a obsess�o com estradas e caminh�es; e exportamos para diversos pa�ses a corrup��o baseada na simbiose entre homens p�blicos dedicados a constru��es e construtoras dedicadas a obras p�blicas.
Mesmo quando pautada pela honestidade, essa rela��o resulta em desperd�cio de dinheiro p�blico. Ao longo do s�culo 20, no entanto, ela adoeceu. � dif�cil definir se primeiro os homens p�blicos viram nas obras uma chance de corrup��o ou os construtores enxergaram na propina a chance de ganhar obras p�blicas. Mas nos tornamos paradigma dessa m�tua depend�ncia.
Zanone Fraissat - 19.set.2017/Folhapress | ||
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) em discurso na inaugura��o |
No Brasil, os homens p�blicos entendem que devem deixar obras marcantes como legado. Os projetos s�o sempre feitos em nome do "interesse p�blico", da necessidade de solucionar problemas importantes. E para a "mentalidade empreiteira", tudo se resolve com constru��es.
Assim ocorre com os congestionamentos dos caminhos que levam ao Litoral. A duplica��o das estradas � apontada como solu��o para o estresse que atrapalha fins-de-semana e f�rias de quem vai � praia.
Trata-se, no entanto, de um desperd�cio de bilh�es em dinheiro. O or�amento inicial da amplia��o da Tamoios � de R$ 900 milh�es, segundo a Folha.
O aumento do gabarito de estradas n�o resolve engarrafamentos, ao contr�rio, engenheiros no mundo todo j� sabem (mas nem sempre contam) que o crescimento das estradas � CAUSA e n�o solu��o.
O tr�nsito funciona conforme a Lei da Oferta e da Procura: quanto mais oferta de estradas, maior a procura de carros por viajar nelas.
Ronny Santos/Folhapress | ||
Congestionamentos s�o frequentes na marginal Tiet� |
O falecido Roberto Scaringella, engenheiro pela Poli-USP e fundador da CET, resumia essa regra dizendo que "uma via nova serve para levar o congestionamento mais r�pido at� outro congestionamento". Referia-se tanto a "outro congestionamento" alguns quil�metros adiante quanto ao muito maior, produzido pela cria��o da via ao longo dos anos posteriores � sua inaugura��o.
Em S�o Paulo, o exemplo perfeito � a amplia��o da Marginal do Tiet�, inaugurada em 2010 ao custo de R$ 1,5 bilh�o, que em cinco anos estava congestionada de novo, mesmo tendo coincidido com a abertura do Rodoanel.
A primeira rea��o dos c�ticos � crer que o aumento da frota explica o fen�meno. Os n�meros mostram que nem de perto: por maior que tenha sido a venda de carros naqueles anos, n�o chegou nem a 10% do aumento do engarrafamento. Uma obra vi�ria provoca tr�nsito. Ponto.
Ao final do processo, os ganhadores s�o: empreiteiras que ganham com a constru��o; os donos de estradas (frequentemente, as pr�prias empreiteiras), que aumentam sua receita de ped�gios; e as empresas petroleiras, que vendem mais combust�veis. Os muitos preju�zos s�o decorrentes de mais engarrafamentos, polui��o, destrui��o ambiental e o desperd�cio de dinheiro p�blico, de todos os cidad�os, em uma solu��o equivocada para problema de uns poucos privilegiados donos de carros. No caso das cidades de praia, acrescenta-se a comoditiza��o do turismo e a desorganiza��o de suas estruturas sociais e urban�sticas.
Agora pergunte-se: porque um governante desperdi�a tanto dinheiro em vez de investir em necessidades realmente urgentes de toda a popula��o? S� vamos ter respostas quando suplantarmos a "mentalidade empreiteira".
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Para saber mais sobre o assunto:
Os estudos mais influentes sobre o tema chamado "Tr�nsito Induzido", ou "tr�nsito provocado", foram realizados a partir dos anos 1950 na Inglaterra e nos Estados Unidos. O texto "Empirical Evidence on Induced Traffic" (Evid�ncias Emp�ricas sobre Tr�nsito Induzido), de Phil Goodwin, traz o resumo de v�rios trabalhos que levaram � admiss�o de sua verdade pelo governo brit�nico, passando a ser crit�rio para an�lise de projetos vi�rios naquele pa�s.
O texto "O caso do tr�fego desaparecido: repensando o congestionamento de tr�nsito", de Thomas Samuels (publicado na "Revista dos Transportes P�blicos" 88, em tradu��o de Osias Baptista Neto) relata a origem dos estudos que impactaram a opini�o p�blica dos Estados Unidos e mostra que j� em 1957 o presidente Dwight Eisenhower foi alertado de que o aumento das estradas iria congestionar o pa�s e tirar do autom�vel o estigma de liberdade de locomo��o.
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